quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Thomas Gray. Edmund W. Grosse. University Press of the Pacific, 2003

A simpatia não é critério de verdade, mas pode sê-lo ao menos de interesse. O século XVIII inglês é-me bem mais simpático que o XIX. O século XIX, mal ou bem, ainda hoje constitui o paradigma sob o qual é julgada a Inglaterra, tanto pelos seus admiradores como os seus detractores.

A verdade é que o século XVIII inglês é-me mais misterioso que o XIX. Nunca o consegui perceber plenamente, e temo bem que isso se deva em parte à imensa riqueza de personalidades e experiências de vida. Assim como foi a Itália do Quattrocento ou a França de Luís XIV, a Inglaterra do século XVIII mostra novas vivências, novas experiências de estar vivo. Revolução agrária e mais tarde industrial, desenvolvimento de um império comercial e colonial, experiências científicas, grandes viagens, a expansão da viagem lúdica e pedagógica.

A criação do Grand Tour ia de par com grandes universidades que, mesmo nos seus momentos de maior decadência, deixavam dentro das duas portas as criaturas mais criativas. Swift, Johnson, Pope, Dryden são activos nesta época. A diversidade de pessoas e experiências de vida, mesmo políticas, de um sistema feudal que se se soube adaptar, um sistema que conciliou uma extrema violência (as histórias da marinha são disso exemplo) com uma clemência de costumes. Ou um sistema que transforma o extremo conservadorismo classicista em romantismo.

Foi essa a Inglaterra que gerou a admiração e o amor da Europa. Como de costume foi a França quem divulgou a Inglaterra, como veio a fazer mais tarde com a cultura alemã ou polaca ou russa. Uma Inglaterra profundamente amada pelos franceses e pelos continentais que seguiram a moda francesa.

Thomas Gray é mais um exemplo desta época. Com praticamente apenas duas poesias atingiu o estatuto de génio. Não lhe era exigido que fosse prolixo e muito menos que fosse profissional. Bastava ter mostrado que tinha sido capaz de escalar o cume uma vez que fosse, já não lhe era exigível que repetisse a proeza. De grande classicista que era, puro e exigente na sua expressão, ninguém estranhou que antecipasse o romantismo que o resto da Europa apenas iria saborear muito tempo depois.

Gray representa muito da Inglaterra que eu admiro. Uma Inglaterra diversa, que admira a grandeza, que aceita cada nova obra como uma dádiva e não como uma dívida, que deixa cada um seguir o seu caminho, sem tiranias, seja do mercado, seja de uma imagem pré-formatada do que deve ser o ser humano. Algo de nostálgico, estéril e neurótico, algo limitado por um puritanismo britânico e protestante de que teve consciência, é certo, era de seu direito ter uma vida incompleta, não exemplar. Não se esperava do homem que o fosse. Mas tudo se lhe perdoava desde que soubesse chegar aos cumes. Esse misto de generosidade e rigor mostra a grandeza de um povo. Um povo que em vez de se anunciar como Messias do mercado ou dos direitos humanos, como hoje infelizmente acontece, celebrava a capacidade do ser humano de ser algo mais que as suas deficiências. Por isso a Inglaterra souber ser grande e Gray é um dos exemplos de como ela o soube ser.

Alexandre Brandão da Veiga

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