segunda-feira, 15 de outubro de 2007

O mundo sem transcendência

Entre amigos, ouvi, recentemente, um comentário que me fez reflectir. Falava eu da Filosofia Portuguesa e de alguns dos seus epígonos. Senti, por parte dos meus interlocutores, uma expressão de reserva. Interpolando-os sobre a razão dessa reserva, exprimiram um sentimento (porque não se tratava de um pensamento) de desagrado dizendo que tinham vagamente lido alguma coisa mas não os tinha prendido e, nestas coisas, esclareceram, é preciso ser cativado, atraído, ter empatia. Para mim pensei: a Filosofia Portuguesa não é atraente. Se os livros destes autores fossem apresentados na televisão talvez tivessem a audiência que assim não conseguem ter. Não é de estar, não obstante, interessado em tornar a filosofia portuguesa numa literatura de ideias televisivas, nem a filosofia é televisível.

Percebo que os meus amigos sejam, como quase todas as pessoas hoje em dia, mais convencíveis pelo que nalguma forma e expressão tem foros de cidadania mesmo que seja em pequenos grupos. O encanto das audiências pelo que é diferente não as leva para lá do que transgride o status quo. Ainda este fim de semana nos jornais se falava de um teólogo alemão absolutamente crucial e central na Alemanha e que em Portugal era completamente desconhecido. Ou seja, uma figura relevante ou mesmo decisiva pode passar em pleno anonimato num Estado que partilha o mesmo espaço geográfico e o mesmo destino civilizacional de outro. Nem uma tradução. Pensei: Leonardo Coimbra, Álvaro Ribeiro, José Marinho e Orlando Vitorino estão como se, também, não estivessem traduzidos. A diferença é que isso não causa nem estranheza nem indignação.
Fico com a sensação que as pessoas, em geral, procuram uma intriga para compreender a história, o pensamento ou o que quer que seja. Através da intriga é possível uma diabolização do outro e é possível tomar partido, abandonando a aridez da teoria pura e presumir, conduzido por um narrador, o lado certo e o lado errado. Podendo ser conduzido para onde queira ou não queira, prefere-se arrumar assim as questões complexas e julgar que se percebeu uma aplicação prática da teoria. Engano! Estas são, apenas, soluções para a razão raciocinante. Não geram hábitos para uma razão especulativa. A especulação filosófica implica, através de iniciação, uma concepção da transcendência que é cada vez mais difícil de reconhecer e integrar nos nossos hábitos de pensar. A ausência da metafísica amputou os caminhos que sempre foram corridos pela imaginação criadora. Tudo o que está fora do método científico é uma fantasia sem aplicação à realidade. Tudo tem de se aplicar à chamada realidade porque tudo é para operar sobre o real. Este pragmatismo funcionalista e materialista (transformista podia ser uma boa palavra) não permite que se reconheça qualquer valor ao que transcende a realidade conforme ela é concebida na modernidade. A interrogação sobre o fim da filosofia, às mãos da cultura relativista e comparativista, já não é propriamente sobre o fim da filosofia mas sobre se o pensamento ainda poderá ser criador da realidade. Sem a filosofia o pensamento esgota-se na mesmidade, na equivalência, na tautologia. Sem a filosofia, significa: sem a capacidade de intuir o alimento da razão.
Não é de estranhar que os valores propagados pelo comunismo estejam actualmente realizados nas sociedades ditas livres: a negação da transcendência, a igualdade, o papel central do animal no humano, o primado do social sobre o individual, a relativização da família, a desconfiança da privacidade, a hipnotização pelos meios de comunicação social , nomeadamente, a televisão, além da negação dos valores que distinguem o espírito humano como as virtudes cardeais e teologais, ou o reconhecimento de princípios transcendentes que permitem superar os paradoxos em que o homem cai e desespera como a Verdade, a Justiça e a Liberdade.
O comunismo é a expressão de uma decadência e a reivindicação da liderança dessa decadência. Se o homem já não tem a capacidade de pensar com todas as possibilidades que o pensamento filosófico lhe oferece, se a razão opera sem intuição, fechada num pensamento imanentista, sem tradição, nem diálogo, então o homem será, finalmente, presa fácil e dócil de qualquer ideologia que o pretenda guiar e condicionar, será, como escreveu Leonardo Coimbra, um esboço de alma suspenso na certeza de uma sombra.
O medo de um poder central que a todos vigia, e que a todos condiciona as vidas, parece ser uma realidade que ninguém teme porque julga compensadora e, em rigor, não reconhece como equivalente à situação que as anti-utopias (Huxley, Orwel e Junger) anteciparam. Os modelos desses avisos julgam-nos longínquos. O medo traz as pequenas concessões, faz ir aceitando a protecção que o tal poder central oferece e faz ir aceitando a invasão da privacidade por todas as formas. Acossado, diminuído, amedrontado, anestesiado, o homem iludido de uma falsa liberdade de que já não goza, aninha-se na alcofa e espera apenas que não reparem nele para não ser maltratado. Trata discretamente da sua vidinha. Não lhe falem de transcendências, nem de metafísicas. Ele quer é sossego e não coisas complicadas que não lhe dão arranjo para nada.

1 comentários:

Diogo disse...

A corrida dos Republicanos à Casa Branca passa por um namoro descarado ao National Rifle Association (NRA), um dos lobbies políticos mais poderosos de Washington. A NRA é uma organização conservadora que defende o direito dos americanos usarem armas sem restrições.

Mas alguns senadores meteram o pé na argola. Jon Stewart tem os hilariantes pormenores:

Vídeo – 4:37m (legendado em português)