terça-feira, 30 de outubro de 2007

5 notas 5 filmes (em cartaz)

Fados de Carlos Saura

Trata-se de um filme entre o documentário e a recriação encenada da música, cruzando relações tipológicas e cruzando a produção tipicamente televisiva com a cinematográfica. Para quem gosta de Fado pode fechar os olhos e ouvir. Para quem não gosta, a realização não vai induzir esse gosto. Ou seja, não é teledisco mas também não é cinema. Ou antes, pode ser também cinema porque no cinema cabem toda a forma e tipologia de registo. Dizemos é que, neste filme, o cinema enquanto cinema de autor, não se revela. O registo do Fado sobrepõe-se-lhe sempre. Fica o prazer, apesar de tudo cinematográfico, de espreitar, no caso, Oulman e Amália a comporem uma interpretação.

The Innerlife of Martin Frost de Paul Auster

Fica-se com a sensação de que Auster não precisava de fazer este filme. A composição e as características das personagens não é agradável, nem inquietante (excepto os risos de Irène Jacob na cena do jantar de reconciliação a revelarem a sua natureza imaginária). As personagens percorrem clichés, talvez cultos, mas sem chama. Diria, forçados. Tudo parece ser tão duro e inapropriado como o jogo de lançar ao alvo as chaves de fendas. O próprio contraste entre os dois escritores Martin Frost e o canalizador tem uma pretensão pouco conseguida. O que é dramático leva-se demasiado a sério e o que é cómico é demasiado grotesco. A ideia das musas inspiradoras serem, afinal, à medida da imaginação de cada um, torna a arte poética subsidiária da psicologia, aprisionando a imaginação ao real e não ao sobrenatural.

Chansons d’Amour de Christophe Honoré

Os franceses têm uma tradição cinematográfica que lhes dá respaldo para estes divertimentos. Sem inventar propriamente (as referências são claras e assumidas para além de Les Parapluies de Cherbourg de Jacques Demy de 1964 há os relativamente recentes On connait la chanson de Alain Resnais de 1997, 8 Mulheres de François Ozon de 2002), C.H. realiza um filme em que os sentimentos e os diálogos de amor — queixumes, recriminações, promessas, balanços, declarações, solilóquios — são cantados. As músicas são tipicamente francesas entre o ligeiro e o poético. Há citações ou recriações de imaginários cinematográficos o ménage (literário) à trois recorre de uma imagem de ”Domicile Conjugal” de François Truffaut. As personagens, no entanto, não têm verdadeira densidade dramática embora se tente dar à sua evolução uma lógica sentimental que eclode com alguma surpresa num desenlace lentamente anunciado. Mas tudo se fica pela epiderme dos sentidos. Uma certa sensação de vazio e desespero de uma juventude que já não é rebelde porque é aceite mas que não tem um imaginário construtivo, nem fundador, nem idealista. A vida arrasta-se pelas sensações. As canções de amor de Alex Beaupain são bem conseguidas talvez pour la beauté du geste.

The Brave One de Neil Jordan

No cinema americano as produções são sempre garantidas por um rigoroso escrutínio das coerências formais e narrativas. O cinema americano, em geral, não prende pelas ideias, mas pela capacidade de envolver o espectador. Como toda a indústria, não quer perder o mercado alvo. O cinema como entretenimento sendo poderoso, muito poderoso, não acrescenta muito ao cinema como arte. O seu moralismo q.b. não pretende descodificar ou criar novos mitos, mas antes criar um diálogo com o público e uma aderência deste. Nesta excelente interpretação, Jodie Foster sucumbe à mesma Ira a que já sucumbira o agente representado por Brad Pitt em Seven (Sete Pecados Mortais). Mas a verdade é que, se não sucumbisse, nada mudava. Era o mesmo filme. O que sobressai neste filme é concepção de uma dupla personalidade no ser, a qual está pronta a entrar em cena, se a isso for obrigada, por uma dor que lhe diz que não havendo esperança também nada há a perder. Por isso, um perdão ao criminoso no momento final em nada mudaria a história porque o outro, o estranho que se apoderou do ser ferido de morte, é um ser frio e calculista que se alimenta dessa mesma dor e não lhe vai permitir sarar a ferida. É, de algum modo, a sua própria morte prolongada numa agonia existencial. Ou deveria dizer Inferno?

Rescue Dawn de Werner Herzog

Os filmes baseados em histórias verídicas têm sempre um aliciante histórico-documental. Porém, incorrem no risco de defraudar a história como ela aconteceu por interesse estético, financeiro, por falta de suficiente informação ou por interesse de recontar a história e imortalizar uma versão que convém ao seu autor ou a um grupo. Torna-se, assim, difícil ignorar que saga de um sobrevivente exclua a heroicidade dos que não tiveram a sua sorte embora tenham tido o mesmo empenho, audácia e coragem.
A história do resgate do piloto americano de origem alemã, Dieter Dengler (Christian Bale) deixa na penumbra e no esquecimento os outros seis companheiros de fuga de uma prisão Vietcong no Laos (um deles nem é mencionado). O cinema tem este poder manipulador de registar e propagandear um lado conveniente da verdade factual.
Se nos centrarmos apenas no percurso heróico de Dieter Dengler, temos uma história em que a força psíquica de um indivíduo o salva perante todas as adversidades — a impiedade dos camponeses, o labirinto natural da selva, a falta de comida e de agasalho, a infinita distância até à Tailândia, a perda dos companheiros — e o bafeja com a sorte de ser resgatado no limite das suas forças. W.H. recria ambientes em que a realidade psíquica se sobrepõe à crueza do real e, nisso, o filme tem uma mão talentosa. Pena cair na visão unilateral da verdade e num certo fim hollywoodesco. Teria sido melhor inventar uma outra história.

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