domingo, 5 de agosto de 2007

O Euro de Sarkozy

Porque é que Sarkozy fala agora do governo económico do Euro? Por ser francês, dizem alguns, querendo com isso implicar que naquele pais o Estado e o centralismo económico prevalecem sempre. Mas, então, porque é que Chirac não trouxe esse tema para a agenda? O paradoxo é resolvido, penso eu, se for tido em consideração que o que o novo Presidente francês quer de facto é relançar o aprofundamento da integração europeia e que isso passa por lançar a ideia do governo económico europeu. Sarkozy, aliás, logo no dia seguinte à eleição, mostrou a sua faceta europeísta ao revelar que dava mais importância ao novo Tratado a 27 do que à forma como ele deveria ser ratificado. Mas vejamos algumas destas questões por partes.

A unificação das moedas que hoje fazem o Euro resultou acima de tudo da preocupação em melhor controlar definitivamente as taxas de câmbio num regime de liberalização dos mercados de capitais. Tratou-se de uma medida tipicamente intervencionista e foi por isso que nasceu com o apoio da França e da Alemanha, dois dos Estados mais intervencionistas da Europa. O Euro não recebeu inicialmente o apoio da Grã-Bretanha. Todavia, uma vez que veio contribuir para a liberalização dos mercados de capitais na esfera internacional e, particularmente, dentro da União Europeia, a nova moeda acabou por ter o apoio de Margaret Thatcher.

A União Económica Monetária coroou-se de êxito, como se pode ver pelo facto de o Euro se ter valorizado grandemente, em relação ao dólar. Essa valorização não foi só mérito da nova moeda, mas também uma consequência do estado da economia norte-americana, fortemente endividada perante o exterior, por causa, entre outras coisas, da Guerra do Iraque (note-se a analogia: a Guerra do Vietname foi causa directa do fim do sistema de Bretton Woods, em 1971). Para o êxito do Euro foi igualmente necessário o forte controle da inflação por parte do Banco Central Europeu e o Pacto de Estabilidade e Crescimento que obrigou os países aderentes a comportarem-se bem do ponto de vista da estabilidade orçamental.

Assim, os governos nacionais do Euro levaram os últimos 15 anos a tudo fazer para que a nova moeda fosse um êxito e conseguiram-no. Uma vez conseguida a afirmação do Euro nos mercados internacionais, abriu-se a possibilidade de seguir em frente e é disso que Sarkozy nos fala agora. A construção europeia é tipicamente feita por etapas. Ultrapassada a década do Euro, seria de esperar que algum “motor” da Europa liderasse o caminho para o passo seguinte. Ao falar do governo económico, Sarkozy está apenas a dizer que é preciso fazer algo mais do que dormir sobre os louros do Euro. Acontece que este passo está a ser dado pela França e isso é importante, mas não pelas razões comummente aduzidas.

O que se passa então? Passa-se que a zona do Euro não é uma zona monetária óptima, para usar uma expressão técnica. Com efeito, as economias dos países em causa ainda não estão suficientemente integradas e a nova moeda não as afecta do mesmo modo. Por razões que têm que ver com o trauma da hiper-inflação a que só Hitler pôs fim, e com a estrutura federal de Governo, a Alemanha seguiu desde a segunda Guerra Mundial, persistentemente, políticas de taxas de câmbio relativamente elevadas. Isso implicou o desenvolvimento de uma estrutura económica específica. A Alemanha há muito que é um grande exportador de produtos industriais com vantagens competitivas em muitos sectores. À Alemanha não importa muito que o Euro esteja com um preço elevado. A situação francesa é diferente e muitos agentes económicos beneficiariam de uma moeda menos forte. A Alemanha é também mais dependente da importação de petróleo do que a França, e as taxas de câmbios elevadas permitem-lhe poupar no preço do petróleo, cotado em dólares. A França é mais dependente da energia atómica nacional (42% do consumo total de energia tinha origem nuclear, em 2004, contra 12% na Alemanha). Outro exemplo: a França depende mais do que a Alemanha do sector do turismo, sector que sofre com moedas valorizadas.

Sarkozy não quer acabar com o Euro. Ao contrário, quer que a moeda única tenha futuro. Por isso pede uma coisa: que o valor do Euro nos mercados internacionais não suba demasiado, aproximando-se dos interesses da economia francesa. Para tal, pede uma menor subida das taxas de juro por parte do Banco Central Europeu. Ou melhor, no fundo pede que o BCE seja um pouco menos independente e se aproxime porventura dos níveis de dependência dos congéneres nos EUA e no Reino Unido.

O comércio livre, os orçamentos públicos equilibrados e a flexibilização dos mercados do trabalho e financeiros são condições necessárias, embora não suficientes, para melhorar o ritmo de crescimento económico na Europa. Mas essas condições não caem do céu. São precisos governos (não confundir com Estados) fortes para que elas se desenvolvam. Um pouco mais de governo económico da Europa podia ser uma contribuição importante.

E, para Portugal, o que convém mais? Bem, deve dizer-se que Portugal está muito distante dessa discussão pois um pequeno ajuste do Euro de pouco serviria, uma vez que o défice de competitividade nacional é muito grande. Mas Portugal pode beneficiar da discussão em torno do governo económico europeu, se isso implicar a regresso das preocupações directas com o estado das economias europeias. Há muito que muitos perceberam que não basta olhar para o défice público para se resolverem os problemas das economias mais atrasadas da Europa. Sendo assim, podia ser vantajoso que o governo português procurasse que o tal governo económico europeu tivesse em conta a necessidade do reforço das políticas de coesão.

1 comentários:

Alexandre Brandão da Veiga disse...

Concordo plenamente.

As pessoas tendem a ver a sua reacção como uma espécie retardada de gaullismo ou anti-europeísmo, no que se enganam redondamente.

Mais importante, voltamos a ver o jogo da grande política, mais que o da mera gestão económica. Sarkozy lembra que o euro é só um passo. Pondo em causa a autonomia do Banco Central (no discurso) náo é esta que quer ver posta em causa, mas antes o amorfismo político das políticas económicas que deveriam complementar a política monetária. Em troca da manutenção de uma autonomia que não o aflige tanto assim pretende obter uma maior integração política e económica. Pena é que muitos comentadores políticos se percam no literalismo e não saibam perceber que a política é conotação.