segunda-feira, 20 de agosto de 2007

Liberdade geneticamente modificada

Por razões que não vêm ao caso, passei os últimos dias em casa, mais disponível para a televisão. Desde o primeiro minuto que fiquei estupefacto com a vandalização do campo de milho transgénico em Silves. E mais estupefacto ainda com a complacência dos media e, em particular, das televisões. E com a passividade das autoridades e do Governo em particular.
Tive agora oportunidade de visitar, com efeitos retroactivos, o Abrupto e o Bloguítica. Trabalho notável de cidadania que, por estes dias, ali se fez. De resto, como tem sido timbre de ambos, de há muito a esta parte.
Não restam dúvidas de que a blogosfera é hoje um dos suportes da cidadania e da democracia.

A propósito, a luta contra os transgénicos é legítima e a discussão em torno deles é salutar. Mas a invasão da propriedade privada e a destruição de bens alheios não são formas de exercício admissível da liberdade de expressão e da liberdade de manifestação. A mistura da "cara tapada" com a oportuníssima ocorrência de filmagens in loco e com a presença tímida da GNR é que já parecem uma estranha coincidência. Quem avisou os media? Quem chamou a GNR e quando? Que coragem é esta de defender princípios nobres de cara escondida? Quem é que modifica geneticamente a liberdade e nos pretende vendê-la como se fosse "pura" e "lisa"?

1 comentários:

Sofia Galvão disse...

O problema é, sempre, a impressionante falta de cultura jurídica da população em geral. O que, claro está, deriva da incipiência do nosso sentido de liberdade, da fragilidade da nossa consciência democrática e de uma genética insensibilidade ao alcance garantístico do próprio Estado de Direito.
É isso, aliás, que permite a mera possibilidade de cenas como a da invasão em causa. E, de par com ela, a inércia de uns, a resignação de outros e a ausência de indignação da maior parte.
Mas, sublinhe-se, é também isso que explica a lamentável circunstância de algumas vozes terem vindo a terreiro em defesa da iniciativa. De entre elas, destaco a de Miguel Portas - e faço-o, por duas ordens de razões. Em primeiro lugar, porque tenho especial simpatia e respeito por Miguel Portas - independentemente da sua conhecida filiação ideológica, é intelectualmente sério, sabe pensar e discutir com abertura e, em regra, é ponderado e construtivo -, pelo que me parece particularmente grave que tenha entrado na deriva anarco-demagógica em que alguns dos seus correlegionários lhe costumam levar a palma. Em segundo lugar, porque Miguel Portas usou dois argumentos absolutamente inaceitáveis num Estado de Direito democrático - desde logo, a eficácia como dado legitimador, depois, a pretensa adequação social da conduta (dizia, pasme-se, que não haveria que censurar já que a acção em nada se distinguiria do corte de estradas ou de vias férreas e, contra este, já ninguém se insurge...). Como em tudo, a responsabilidade obriga e não se pode ter um estatuto no espaço público para, depois, o degradar assim.
Em contrapartida, muito bem Marques Mendes, sem hesitar, veemente e certeiro. Valha-nos isso.
No plano institucional do Estado, bem também, felizmente, o Presidente da República. Não calou, não deixou de ver e de se insurgir. O que é importante, porque é pedagógico.