segunda-feira, 11 de junho de 2007

II. As velas ardem até ao fim, Sándor Márai, Dom Quixote, 2007

O plebeu não conhece a grandeza. Apenas um seu substituto: o tamanho. O tamanho da conta bancária (“ele “vale” X dólares”), sem dúvida. E é significativo que a nossa época se preocupe tanto com a linha, o tamanho dos peitos e as operações de alargamento do pénis. Toda a grandeza mensurável é relativa. Deixa por isso de o ser para ser apenas tamanho.

Daí que esteja votado ao fracasso qualquer livro que queira dar sentido de tragédia ao que por definição não aspira à consumação. Porque o sucedâneo no plebeu é o mero consumo. O termo destrói, não vivifica.

Fora drama burguês a obra chamar-se-ia “as velas crepitam”, ou “esbarrondam-se no fim”, ou “gastam-se”. O título da obra, pelo contrário, anuncia uma consumação, não um consumo. Para isso o autor teve de usar nome que mostrasse que o objectivo foi atingido, não que foi descartado.

Se o plebeu não conhece a grandeza nem a consumação, é porque vive num mundo comparativo. Não gosta de paradigmas e por isso apenas obedece a leis que o ultrapassavam. Não conhecendo o exemplo, torna-se apenas um exemplar. Uma ilustração de uma lei, uma mera ocorrência. Viver para ele é comparar-se. O meu carro é melhor que o teu, tenho mais doutoramentos que tu, o meu cargo é mais importante que o teu, eu tenho poder sobre ti, tenho de ter mais importância que tu. A comparação para o plebeu é apenas mais um substituto da substância. Se se compara é apenas porque ele não a tem. Mas sendo toda a sua vida de mera substituição nenhuma destas conclusões é de espantar.

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