segunda-feira, 23 de abril de 2007

Avisar a Malta

Olhando com atenção para o actual governo, não se descortinam facilmente ministros que mostrem preocupação genuína com as coisas europeias (talvez com a excepção do da Agricultura). Trata-se de um governo com uma agenda essencialmente nacional, demasiadamente satisfeito com as conquistas na política caseira e com pouca ambição de dar cartas em Bruxelas. Essa falha não tem sido muito notada na imprensa, o que significa provavelmente que a maior parte de nós pensa que a politica europeia não tem importância.

Ora isso é um erro. É um erro compreensível neste pequeno e periférico país, mas é um erro sério. Nas vésperas de Portugal assumir a presidência do Conselho Europeu, será talvez conveniente recordar a importância da política europeia para a política nacional. A maior atenção que se dê a essa questão não traz benefícios imediatos, pois a conjuntura não é favorável. Mas será porventura conveniente pensar que essa pode ser uma das vias da retoma económica do País.

A história da integração europeia tem um traço genético muito importante, que é o de que as fases de maior abertura dos mercados são geralmente acompanhadas por políticas de compensação dos efeitos negativos dessa abertura nas economias menos desenvolvidas. A abertura dos mercados tem de ser um objectivo último de qualquer governo, uma vez que traz sempre beneficio para a soma das partes. Todavia, existem algumas limitações na capacidade das economias mais atrasadas em se adaptarem a mercados mais concorrenciais. Isso decorre de algo fácil de entender: a adaptação requer investimentos e conhecimentos, factores relativamente escassos nos países mais atrasados.

O principio das politicas públicas de compensação à abertura esteve na génese da integração europeia. A CECA, de 1951, serviu à reconstituição dos mercados de carvão e de aço dos seis países fundadores, o que implicou o fecho de fábricas na Bélgica para permitir à Alemanha, mais eficiente, o aumento da produção e da exportação. Ora esse passo foi seguido de um outro: o de compensações financeiras, sobretudo de origem alemã, que ajudaram à criação de novas ocupações para os operários belgas dispensados das fábricas encerradas. A CEE, cujo tratado fundador de Roma agora se celebra, seguiu o mesmo caminho que desde logo se manifestou na PAC e nas ajudas financeiras à Itália meridional, medidas hoje mal vistas mas muito úteis à época. Saltando uns anos, encontra-se o mesmo tipo de politicas de compensação aquando da adesão da Irlanda e do Reino Unido, em 1973. Pouco depois, foi criada a política regional das Comunidades que visava, precisamente, ajudar à conversão das economias desfavorecidas, da Irlanda e de algumas regiões britânicas. A lista de exemplos não acaba aqui. Em 1979, a Irlanda aderiu ao Mecanismo das Taxas de Câmbio (percursor da moeda única) depois de ver assegurado o reforço das ajudas financeiras. A adesão da Grécia à CEE, em 1981, também foi seguida de transferências financeiras. E, claro, o exemplo mais conhecido, da adesão de Portugal e Espanha, em 1986, e dos chamados pacotes Delors de ajudas financeiras que se lhes seguiu.

Esta vaga de politicas europeias de cariz social-democrata de ajuda aos mais pobres foi de certo modo passada para segundo plano por causa da preocupação com a estabilidade cambial e monetária que levou, a partir do inicio da década de 1990, à criação da União Económica e Monetária. A criação da UEM e do Euro tornou-se premente a partir do momento em que a crescente liberalização dos mercados pôs em risco o equilíbrio das balanças de pagamentos nacionais. O Euro também foi uma medida que trouxe maior controle dos Estados sobre o mercado e por isso também está no código genético da UE (os verdadeiros monetaristas preferem várias moedas em concorrência) e era uma medida urgente. Mas implicou o aumento da concorrência entre os Estados membros e a redução da capacidade de intervenção dos governos nas economias nacionais.

Ora, desta vez, o aumento da concorrência não foi acompanhado por medidas adicionais de apoio às economias mais fracas. As politicas de coesão, como também são conhecidas, continuaram. Mas o importante notar é que não foram reforçadas, ao contrário do que aconteceu em ocasiões anteriores de aumento da concorrência.

As condições actuais para se pedir o reforço das politicas de coesão não são porventura as melhores, uma vez que há mais países a precisar de ajuda e uma vez que a economia europeia está a crescer devagar. Todavia, se as opiniões públicas nacionais são um elemento crucial do desenho das politicas europeias, é tempo de o governo português, porventura em diálogo com outros governos interessados, chamar atenção para a necessidade de se dar maior atenção à politica europeia de ajuda aos países mais necessitados. Agora não é cedo para se começar a preparar a mudança necessária e talvez a melhor forma de o fazer é falar dela. Em suma, a “estratégia de Lisboa” devia ser outra.

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