segunda-feira, 28 de julho de 2025

O governo dos juízes

Como de costume, não estou em nenhum dos lados da questão. É tão boçal defender os tribunais a todo o transe como sem dó atacá-los.

 

A história é bem conhecida. Em Itália havia políticos criminosos, eram efectivamente corruptos. Mas os magistrados que os perseguiam eram tão verdadeiramente motivados politicamente. Não há santos de um lado ou do outro.

 

Não enuncio juízos morais. Apenas tento compreender. E o problema do governo dos juízes tem quatro aspectos que nunca são tratados em conjunto:

a)     O Estado de direito é contraditório com a democracia;

b)    Os juízes não são responsáveis pelos efeitos políticos, sociais e económicos e culturais das suas decisões;

c)     Por educação e por ofício têm uma visão do mundo limitada;

d)    O poder absoluto corrompe absolutamente.

 

O Estado de Direito é criação aristocrática. Nada tem de democrático. A Rule of Law é defendida desde a Idade Média, e é algo duvidoso que a Inglaterra dos séculos XV ou XVI fosse uma democracia. A República Romana assenta no direito. O Estado do direito é criação de repúblicas aristocráticas. O que visa, são os ditos checks and balances. Mas não é criação americana. O Estado de direito tenta resolver um problema: uma família aristocrática não pode impor-se às outras seja os Fabii, os Cornelli, os Iulii, seja em Veneza os Dandolo, os Faliero, seja em Génova…

 

Por isso, sempre que alguém pretende defender o Estado de direito, está a colocar-se ao lado de algo que nada tem de democrático. Se fossem a mesma coisa, ou implicação uma da outra, não seria necessário falar de «Estado de direito democrático» como faz a nossa pobre Constituição.

 

Os juízes são irresponsáveis. A intenção foi boa ao criar este estatuto. E continua a fazer algum sentido. Mas os juízes criam problemas sistemáticos para os quais não têm capacidade, nem técnica, nem política, nem jurídica para dar solução. A questão não é dos juízes, a questão é constitucional. Foi um sistema instituído que deu poderes a juízes que criam problemas sistemáticos, sem criar nenhuma válvula de segurança para os resolver.

 

Algumas constituições têm válvulas fracas como uma segunda votação por maioria reforçada no parlamento contra um entendimento de inconstitucionalidade dos juízes. Mas não basta. Se um juiz torna impossível expulsar estrangeiros, se torna impossível dar segurança às populações, o juiz lava daí as suas mãos, e os parlamentos não têm forma de compensar os problemas criados.

 

Não é papel dos juízes conduzir os destinos das sociedades. Não será acaso que o leitor se lembre do nome de Churchill mas não dos membros da Câmara dos Lordes da época, ou De Gaulle lhe diga algo mas o presidente do Conselho Constitucional francês lhe seja estranho. Tudo está no seu devido lugar. Uns são grandes homens, outros têm um papel ancilar na História. Desde sempre isso foi admitido. Falta daí retirar as consequências. Quem não pode dar grandes curas também não pode ter o poder de instalar grandes doenças.

 

Os juízes têm uma cultura limitada. Em geral não sabem História, nem latim, nem grego, nem matemática, nem física, nem teologia, nem filosofia… A lista do que ignoram é vasta. Na sua maioria são técnicos, apenas com conhecimentos técnicos. São incapazes de pensar nos efeitos de longo prazo do que fazem, pela mesma razão que ignoram o que é um ablativo absoluto, um semigrupo, ou a transubstanciação.

 

Não se trata de insultar alguém por não ter uma cultura universal. Mas a partir do momento em que tomam decisões que têm efeitos no muito longo prazo, em que as suas decisões afastam dezenas de milhares de anos da História genética da Europa, para quem nunca estudou genética das populações, nem nada sabe pensar em dezenas de milhares de anos, dar-lhe tal poder chama-se de estado de inocência. De Gaulle, que era maior que qualquer juiz de que há memória, quando queria saber as implicações do que fazia interrogava-se como se interroga toda a História da França. A maioria dos juízes riem-se desta imagem, mas deviam perguntar-se por que razão De Gaulle será lembrado pelos séculos e eles não.

 

O poder absoluto corrompe absolutamente. A ingenuidade foi a de achar que havia um tipo de poder sempre imaculado. O dos juízes. Esse e só esse poderia não ter limites, porque não teria nunca efeitos indesejáveis. É ingénuo, inumano no verdadeiro sentido. O poder judicial apenas foi inofensivo quando tinha fortes limites. E foi com a imagem dessa fraqueza quase crística que se aumentaram os seus poderes. Mas não são Nossos Senhores, nem isentos de pecado original. Triste ingenuidade.

 

Mitterrand, cujo passado fascista é bem conhecido, dizia que os tribunais destruíram a monarquia e iriam destruir a República. Seja. Quem usa palavras vindas do nazismo como «desconstrução» ou «responsabilidades históricas» viverá bem com isso.

 

Alexandre Brandão da Veiga

 

 

 

 

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quinta-feira, 17 de julho de 2025

Bishop Barron and the Three Theoretical Limits to René Girard

 

In an interesting interview, Bishop Barron speaks of Girard's greatness, a greatness that I do not deny.

https://youtu.be/ZOdPLrq5ViM?si=UUC3YCRlo5Vl4fgg

But this is to forget that all theoretical view is limited, and only a message identified with the messenger can be complete.

Girard's theories have three limits.

It is a theory without psychology. Girard had an almost physical repulsion for psychology. He was an anthropologist, and, even better, he had a philological background. I read societies as one reads a text. Searching for their meaning and object. That is why he never accepted the theories of the absence of a referent, but at the same time without investing in the intimate psychology of the text.

Not all desire is mimetic. Girard himself recognized it. There are autonomous desires. I'm hungry and thirsty, I need to breathe. Nothing is mimetic in this. But what I want to eat, when, this can have a mimetic inflection.

If all desire is mimetic, where does the first desire come from? Girard does not explain it. His theory is like a kind of Big Bang. After the Big Bang, it explains well what is going on. But not the first irruption of desire.

Where is the foundation of these three limits? Perhaps it is unique, and it comes from the absence of psychology. Reading society as a text is the work of a philologist. It has limits. But between a critical edition of Plato and a fanciful one there is a long distance. It's a good thing that someone brought philology to anthropology to end decades of cheap nominalisms.

A student at the École des Chartes, he showed us the power of philology to read the profound reality. But also its limits. To speak of people without speaking of soul is a fruitful deviation. But being a detour hides part of the road.

One day, comparing him with St. Irenaeus of Leo and with Jung, I hope to explain why.

 

Alexandre Brandão da Veiga

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