Contra o pequeno burguês VIII
No mundo em que nasci o pequeno burguês era visto como
inferior e via-se como inferior. Foi o momento de glória da sua coerência. Hoje
em dia diz que não há verdades e não tem identidade, o que quer dizer que só
admite as falsas ou que vê como tais. O mundo em que eu nasci revoltava-me pela
sua injustiça. Esse foi o meu erro. O mundo em que eles nasceram foi o da sua
humilhação. Esse foi a origem das suas ilusões. Uma classe que passa a
dominante por inadvertência, que descobre que a sua verdade é a de não a ter, e
de ontologia apenas ter uma coxa antes suscitava-me a comiseração e algum
constrangimento. Depois de ter conhecido o mundo à sua imagem percebi que dele
fui expulso para ninguém em compensação entrar. É um mundo do vazio, que se
compraz em anunciar o seu vazio e absurdo, agora não como uma fatalidade, mas
como uma pena para quem dele não participa.
A finalidade era a de integrar todos e eu fui excluído. E a
vontade de integrar aplica-se apenas a um estranho tipificado, a um exótico
definido por guias turísticos. Seja. Porém, o resultado é um mundo em que o
primeiro que se sente estranho é o pequeno burguês. Faz mesmo propaganda disto
nas universidades de que se apossou. Ninguém está na sua terra. Os antigos
senhores que já não existem, os exóticos que existem apenas na sua imaginação e
os próprios pequenos burgueses que se sentem sem substância, sem essência, sem
existir. No mundo que construíram só há estranhos, não há esperança e apenas
ilusão. É o que o pequeno burguês ensina nas faculdades sobre o mundo. Apenas
se esquece de dizer que fala do mundo sim, mas do que criou. Sem grandeza, sem
verdade, sem ambição.
Podem julgar que insulto gratuitamente o pequeno burguês.
Mas bem pelo contrário. Apenas faço compilação. Mera suma. Do que ele diz sobre
o mundo, ou seja, sobre si mesmo. A artimanha do pequeno burguês é praticar o
insulto e partir do princípio de que não percebemos que só pode ser a ele que
se refere. Como em massa se dirige a pequenos burgueses, a estratégia funciona
e deixa todos felizes, na medida que o possam ser. Sintetizá-lo, algo que o assusta.
Fazer-lhe justiça, o que para ele é inesperado. Mostrar na sua nudez a sua essência,
o que ele não deseja. Mas façamos-lhe jus. Ou seja, oponhamo-nos e insultemos.
Mostremos-lhe que o mundo que nos apresenta é apenas um espelho, e até nisso é
trivial.
Gostava de me despedir do pequeno burguês. Sem ressentimento.
Mas em boa verdade já sem comiseração. E sem interesse. Mas não tem morada, nem
identidade, nem mesmo face. Acha que depois de morrer vai ser apenas um saco de
flatulência e num resto de piedade tendo a dar-lhe razão. Os seus vários
esfíncteres são indistinguíveis. O seu mundo não acaba no Juízo Final, nem num
crepúsculo dos deuses ou num acorde final. O seu mundo começa e acaba da mesma
forma. Num flato. Bendito seja, que me fez perder tempo. Leve, pois, os seus
bons sentimentos e os seus direitos do homem para onde lhe der mais utilidade. O
seu mundo sem grandeza tem o defeito de não ser microscópico. E já com ele
gastei mais poesia do que era de seu merecimento.
Alexandre Brandão da Veiga