Tinha Jesus irmãos?
Tinha
eu lido há uns tempos atrás um livro de um senhor chamado Bernheim (BERNHEIM,
Pierre-Antoine, Jacques, Frère de Jésus,
Albin Michel, Paris, 2003) que dava como certeza absoluta vários factos :
a)
No
contexto da Palestina em língua grega o conceito de irmão era forçosamente de irmão
de sangue e não em sentido figurado;
b)
Em
consequência, Jesus tinha irmãos de sangue, e não irmãos de sangue apenas de São
José; do lado de Maria também.
Até aqui não vejo
problema. A tese é conhecida, já muitas vezes defendida. O problema da conclusão
é que assenta numa premissa algo apressada.
A vida tem destes acasos. Por coincidência li entretanto
um livro de uns senhores chamados Roger S. Bagnall e Raffaella Cribiore, Women's Letters from Ancient Egypt, 300
BC-AD 800, (http://www.amazon.co.uk/Womens-Letters-Ancient-Egypt-BC-AD/dp/0472115065/ref=sr_1_3?s=books&ie=UTF8&qid=1399561358&sr=1-3).
Eis que salientam que em
várias cartas entre os séculos I a.C. e III d.C. os conceitos de «irmão», e
mesmo de «mãe», não significam a relação biológica forçosamente, mas de
familiar, íntimo, companheiro, mesmo marido, e no caso de «mãe» pode-se tratar
mesmo da escrava que serviu de ama.
Que se coloquem
hipóteses históricas, bem vivo com esse facto. Tanto melhor. Venham as mais
ousadas. Mas que se dê como certeza absoluta conclusão quando nem a premissa é
certa já não me parece honesto.
Tenha-se em conta que:
a)
O Egipto fazia parte do mesmo espaço helenizado,
fortemente helenizado, a que pertencia a Judeia.
b)
Sendo bem mais importante culturalmente
que a Judeia, seria pouco plausível que os fenómenos culturais e também linguísticos
que se passam na Egipto não tivessem algum reflexo na Judeia.
c)
Embora não se possa retirar uma relação necessária
entre o que se passa no Egipto e o que se passa na Judeia, e embora os anteriores
argumentos já sejam por si mesmo fortes, a verdade é que não se pode afirmar
que «irmão» em grego na época e na região é, e sempre, irmão no sentido carnal.
d)
Ainda menos se pode afirmar que significa
filho do mesmo Pai e da mesma Mãe.
Este é mais um dos
casos em que vemos que, em vez de estudo, temos uma imposição. É-nos imposta a conclusão,
contorcidas as fontes, relegadas a segundo plano as provas e a sua problematicidade.
O autor, o tal de Bernheim, não gosta de problemas, não gosta que estes sejam
colocados. Como quem cauteriza uma ferida, fecha-os, fecha-os de forma que
julga definitiva.
Venham elas a provas, venham
elas a discussões. Tanto melhor. Quantas mais melhor. Mas que o sejam. Prefiro
estudos a proclamações públicas afixadas nas paredes dos teatros. A ciência não
se faz por edital.
Alexandre Brandão da
Veiga
(mais)