terça-feira, 31 de julho de 2007

Pensar a ideologia do fazer

Os posts recentes do Alexandre (sobre Sarkozy, que tem defendido uma espécie de primado da acção) e do Nuno Lobo Antunes (sobre ensinar e a relação entre pensar e fazer) levam-me a esta reflexão sobre a crescente oposição entre pensar e fazer. Há hoje na Europa uma crescente ideologia do fazer. Em grande medida é uma reacção a uma percepção generalizada de que pensamos demais e agimos pouco. Que somos uma sociedade paralisada. Que o que é necessário é uma cultura da acção e um conhecimento assente no fazer.

Acontece que agir sem pensar é impensável ou nunca deu bons resultados (como lembrou Alan Filkenkraut uma das mentes mais livres e notáveis do actual espaço público francês). É verdade que Fra[...]
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III. É Sarkozy populista?

Porque é então chamado de populista, se tem uma ideologia bem forte e marcada? Por chamar de canalha a quem queima uma deficiente num autocarro, não por ser jovem, pobre, magrebino, mas não achando que este facto o desculpa da sordidez da sua natureza pessoal?

Populista se desagrada aos meios de comunicação social, aos jornalistas, a muitos intelectuais bem pensantes e corre o risco de desagradar ao próprio povo sem medo de excomunhão pelos intelectuais?

Vejamos então quem o chama de populista em geral. Por um lado, pessoas arrastadas pelo que se diz na comunicação social e em alguns meios intelectuais. Mas sobretudo os meios de comunicação social... e os populistas. Porquê? Porque não admitem que alguém seja de direita e tenha [...]
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segunda-feira, 30 de julho de 2007

Epretexto

A criação de um centro de resolução de litígios pelo Estado português foi louvada por uns e ridicularizada por outros. Ambos podem ter razão… mas é importante não esquecer que o virtual é hoje o principal instrumento de mudança do real.

Não me estou a referir a como os conflitos no mundo virtual podem ser sentidos como reais e necessitar de ser resolvidos como tal (aconselho a leitura de The Code and other Laws of Cyberspace de Lawrence Lessig para alguns exemplos). Estou a referir-me, neste caso, a algo diferente: a como a digitalização da nossa administração pública (incluindo a nossa administração da justiça) pode consistir no maior instrumento de refo[...]
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II. É Sarkozy populista?

Vi muitas pessoas afirmarem que o seu discurso de vitória tinha sido um discurso que retoma os tópicos gaullistas. Não me parece. O seu discurso, muito estruturado e fortemente ideológico, faz uma síntese de reflexões que desde há décadas, mas sobretudo na última década tem vindo a ser feito quanto à legitimidade sacerdotal de um certo discurso de esquerda. Se virmos no longo prazo desde a segunda guerra mundial a esquerda governou pouco tempo, mas liderou o discurso quase sempre.
Desde o fim dos anos 70 que a tendência se tem vindo a inverter. Aqueles a quem chamam de Novos Reaccionários (personagens de esquerda entenda-se, mas que criticam as teorias libertárias de certa esquerda) começaram a dar golpadas fortes nesta primazia sacerdotal[...]
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Ainda o populismo


O populismo - que, com vantagem, deveria levar o nome de demagogia - é ainda uma forma de aristocracia ou, mais precisamente, de oligarquia.
Na verdade, ele não é mais do que uma política ou um discurso que, criando a aparência de uma preocupação com o povo, visa apenas a satisfação do interesse pessoal dos seus autores. Julgo, por isso, que a qualificação da crítica ao populismo como "aristocrática" ou "snob" ou "mesquinha" corre o risco de lançar a confusão.
A democracia - não a demagogia - não vive da mistura de elementos aristocráticos. Vive, isso sim, [...]
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sábado, 28 de julho de 2007

IDEIAS SIMPLES

Excelente a entrevista de de Sérgio Rodrigues a Mariano Gago. É tão difícil fazer os portugueses compreender ideias simples sobre educação.
A minha vida universitária foi muito rica de contactos e experiências, mas o que dela resta são apenas ideias simples. A primeira é de que a educação se baseia em três pilares: 1) Na existência de "role-models" que sirvam de émulo e estímulo 2) Que o mérito seja recompensado 3) Que a incúria, o desleixo e a incompetência sejam punidos na mesma medida em que o mérito é recompensado. Parágrafo ùnico destas regras:a) Que os cargos vitalícios sejam excepcionais, (curiosa a expressão portuguesa de "ocupar um lugar"...). b) Que haja direito a uma segunda oportunidade para quem falha.
Isto quanto à Educação. Quanto ao Ensino, partilho o aforismo de[...]

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O lugar da democracia (2)

O que caracteriza algumas estruturas democráticas na Europa, apesar da permanência dos partidos ou da classe política no aparelho do Estado e nas grandes empresas do Estado, é uma grande circulação de políticos por cargos nos sucessivos Governos, na Assembleia da República, na Presidência da República, nas Autarquias ou nas Empresas Públicas. Ainda que se diga que o Estado paga mal, há muitas formas de receber indirectamente depois de exercer os tais cargos mal remunerados.

A percepção de que há um tempo limitado de passagem pelo poder leva a tentar resolver a vida, sobretudo, por quem não tem um destino pessoal, nem um caminho próprio; leva a que seja inevitável aproveitar a oportunidade que não se repetirá. Muitos advogados,[...]
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sexta-feira, 27 de julho de 2007

O lugar da democracia (1)

A vida política portuguesa parece viver num impasse depressivo. Os partidos parecem esgotados. A maior parte da nova geração de políticos, até aos 55 anos, que singraram no pós 25 de Abril, são figuras públicas geradas apenas pela sua actividade partidária. Não se lhes conhece obra própria, um destino individual e, por isso, a sua disponibilidade para a política não tem o mérito de uma dedicação a uma causa com prejuízo de carreiras pessoais porque traduz apenas o seu apego àquilo de que dependem para sobreviver e para terem o reconhecimento dos outros.

Os espaços vazios são ocupados, quem deles se apropria fortifica-os e, assim, impede a sua apropriação por outros. Na política portuguesa, os partidos ocuparam o lugar da demo[...]
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I. É Sarkozy populista?

Depois da desoladora mediocridade da maioria dos políticos da década 1995-2005 surgem algumas surpresas. Algumas delas bem discretas, vêm dos países do Centro e Leste europeus. Por vezes de pequenos países ocidentais. Em movimentos cuja importância ideológica se menospreza, mas que estão destronar o enfadonho, rotineiro e pouco imaginativo império bem pensante, bem como o reforço mais ou menos visível de extremos, não ideológicos, mas estratégicos (pessoas que votam nos extremos, mas igualmente em partidos moderados consoante os momentos).

Em França os dois fenómenos mais curiosos são Bayrou e Sarkozy. Na Alemanha há outro fenómeno, Merkel, que mereceria bem mais atenção. Mas fiquemos pela França.

Bayrou e Sarkozy partilham aspe[...]
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quinta-feira, 26 de julho de 2007

O populismo contra-ataca

A análise do Alexandre é certeira. Mas acho que falta abordar uma dimensão do fenómeno populista: populista é também aquele que constantemente curto-circuita os mecanismos tradicionais de representação defendendo (explicita ou implicitamente) uma forma de governo que, desprezando a deliberação ponderada e a construção paciente de consensos próprias das democracias representativas, faz a apologia do «directismo» e da ditadura irreflectida da opinião . Nesta acepção não me parece existir, por parte de quem ataca o populismo, qualquer preconceito aristocrático nem pretensão de superioridade. O que está em causa é um sistema, não são nem os seus protagonistas concretos nem os destinatários das suas mensagens. Em rigor, qualquer um, sofisticado ou vulgar, requint[...]
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quarta-feira, 25 de julho de 2007

O que é o populismo?

É muito comum vermos acusar um político de populismo. Mas poucas pessoas reflectem seriamente sobre o que significa esta acusação. Porque de acusação, e mesmo de insulto, se trata.

Populismo não existe quando se pretende agradar aos povos. Toda a política seria, pelo menos numa democracia, manchada desta qualificação. Não há populismo em acréscimo quando se agrada aos povos. Todos os partidos maioritários seriam assim os mais populistas.

Vejamos um pouco mais fundo. Qual a estrutura do populismo?

Se bem virmos caracteriza-se por um modo e um objecto.

O modo é aristocrático. O que acusa de populismo despreza. Sente-se na posição de detentor do sacerdotium e do imperium, ou pelo menos anuncia que lhes está próximo. Q[...]
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terça-feira, 24 de julho de 2007

II. Karl Ferdinand Werner, Nascita della nobiltà. Lo sviluppo delle élite politiche in Europa, Torino, Einaudi 2000

Nenhum historiador sério põe em causa a importância da nobreza na formação da Europa. Nenhum põe em causa que esta era a classe dominante pelo menos até ao século XVIII. Ou seja, toda a preparação que leva a que a Europa seja o continente dominante no mundo a uma distância imensa em relação a todas as outras culturas ocorre sob dominação nobiliárquica.

O que se discute está alhures. Até que época vai a influência da nobreza? Estende-se até ao século XIX, até à nossa época e de que forma? Qual o efectivo contributo desta classe para a expansão europeia? Qual a continuidade familiar desta classe? Qual a continuidade institucional desta classe? Qual a origem desta classe?
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A fusão PSD / CDS

A ideia de fundir o PSD com o CDS/PP é uma enormidade no plano ideológico e um verdadeiro «tiro no pé» no plano táctico. Dispenso-me de comentar a questão ideológica. Não é preciso ter-se grande cultura política para se perceber que, no plano dos princípios, existe um abismo entre um partido de pendor reformista que se reclama herdeiro da social-democracia e um partido democrata-cristão e profundamente conservador como é o CDS. Arrisco-me a dizer que, nesse mesmo plano dos princípios, mais sentido faria fundir o PSD com um PS rendido à «terceira via», como é hoje indubitavelmente o PS de Sócrates.
No plano táctico a fusão seria absolutamente suicidária. Desde logo porque um PSD com vocação de poder só tem a ganhar com um posicionamento «ao centro» que só pode ser-lhe garantido pela[...]

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segunda-feira, 23 de julho de 2007

I. Karl Ferdinand Werner, Nascita della nobiltà. Lo sviluppo delle élite politiche in Europa, Torino, Einaudi 2000

Tenho aqui de confessar a minha profunda admiração pela cultura britânica. O problema é que nem tudo é bom nos países e, em muitos, quando algo é mau, é realmente muito mau. Reparei noutro dia num artigo de uma eminente revista económica .[i] Cada frase mostra um novo sofisma, uma nova ignorância e uma nova má vontade.

Peguemos num exemplo. Não existe cultura comum europeia, porque os movimentos comuns são apenas produto[...]
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sexta-feira, 20 de julho de 2007

Peles de carneiro, bolas de Berlim e regulação

Um dos últimos gritos da moda (ouvi dizer) é juntar um grupo de amigos e alugar um riad em Marrakech, de preferência no Inverno. Há uns tempos fui levado num empreendimento desses. Um riad é uma moradia no centro da cidade, no meio da zona mais popular e os que se alugam foram restaurados por corajosos empreendedores nacionais ou estrangeiros, oferecendo todos os confortos que se pode imaginar. A moda justifica-se: trata-se de passar uma temporada num meio exótico, com todas as comodidades e serventias. Aqueles que têm consciência social, a “esquerda caviar”, também se podem sentir bem, pois o restauro apurado das moradias em causa e o recebimento dos hóspedes, com todo o trabalho que envolve, tem um impacto positivo óbvio na cidade no curto prazo e, para qu[...]
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Certeiras impertinências

Há expressões que se tornam proverbiais. Mas o que é menos notado é que muitas delas são compostas por um elemento impertinente, irrelevante.

No Velho do Restelo releva apenas o facto de ser velho, porque a sua atitude será típico de uma determinada idade da vida. Mas nada prova que seja na época de Camões, seja posteriormente os habitantes do Restelo fossem particularmente menos crentes na aventura e no risco.

Platão diz na República, pela boca de Sócrates, que dele (do que viu a luz fora da caverna) “se rirão, mas não a s servas trácias”. A referência é clássica. Conta-se que as servas trácias se tinham ruído com o facto de Tales de Mileto ter c[...]
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quinta-feira, 19 de julho de 2007

II. Chamfort, Maximes et pensées : Caractères et anecdotes, Gallimard, Paris, 1982

As luzes têm muitos lados negros. É nelas que encontramos a origem das teorias racistas, a teorização racional do esclavagismo, em nome do utilitarismo e em desprezo da noção (cristã) de pessoa. É nelas que encontramos a profunda honestidade de Kant, mas que o transformou num pau seco sem vida. É nelas em que encontramos um sentido de maledicência delicioso, que se volta a encontrar em Wilde e na Belle Epoque mas que geralmente é sinal antecipador de guerra e profundo conflito.

É aliás de desconfiar sempre que encontramos um sentido de humor corrosivo e sofisticado. A guerra está sempre próxima dessas épocas. Denuncia uma falta de vontade de viver e uma vergonha perante as verdades da vida que [...]
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quarta-feira, 18 de julho de 2007

I. Chamfort, Maximes et pensées : Caractères et anecdotes, Gallimard, Paris, 1982

« On souhaite la paresse d'un méchant et le silence d'un sot. »
« Dans les grandes choses, les hommes se montrent comme il leur convient de se montrer ; dans les petites, ils se montrent comme ils sont. »
« L'importance sans mérite obtient des égards sans estime. »
« Je ne conçois pas de sagesse sans défiance. L'Écriture a dit que le commencement de la sagesse était la crainte de Dieu ; moi, je crois que c'est la crainte des hommes. »
« Il est plus facile de légaliser certaines choses que de les légitimer. »


O que aprendem as crianças? Que havia uma época em que quase tudo era negro e eis senão quando vieram as Luzes e ficou tudo iluminado. Ficaríamos quase satisfeitos com isso, não fora o homem público[...]
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segunda-feira, 16 de julho de 2007

Saramago e a Ibéria


Da entrevista de Saramago ao "DN" há um ponto fulcral a reter, o de que, e cito “Não vale a pena armar-me em profeta, mas acho que acabaremos por integrar-nos”, sendo essa integração a de Portugal na grande Espanha.
Todos sabemos, e nem sequer vale uma pontinha de ironia, que Saramago é m[...]
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O que é um estúpido?

Muito haveria a dizer a propósito. Mas achei curioso ver nas “Etimologias” de Isidoro de Sevilha (X, 247, para aos mais curiosos) que estúpido é o que se espanta frequentemente. Ora, dizia o bom do Aristóteles, o espanto é o começo da filosofia.

Quem tem razão? Ambos. O estúpido espanta-se muito, com tudo e sem critério. Como em algumas doenças neurológicas segue ao tremor o estupor. Exactamente: palavra com a mesma origem. O tremendum passa a ser mera privação: afasia, apatia, abulia, os “a” privativos que houver em elenco.

O estúpido espanta-se com todas as culturas, com a riqueza de tud[...]
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Fishing for compliments

O bom senso aconselha a que não se façam prognósticos antes do jogo. Na semana passada, na Visão, infringi as regras e arrisquei uns «palpites». Agora são as regras da modéstia que me aconselham a não voltar ao assunto. Mas a verdade é que, se não for eu, ninguém terá a caridade de lembrar a humanidade que este obscuro cronista acertou em toda a linha. Aqui fica a prova:

«A dois dias das eleições intercalares, a única coisa que parece certa é que «depois de Lisboa nada ficará na mesma». Desde logo nada ficará na mesma no governo do país. A menos que António Costa arranque uma maioria confortável de última hora, as eleições autárquicas na capital marcarão oficialmente o início da campanha para as legislativas de 2009. Com mais de metade da legislatura cumprida, com um alast[...]

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sábado, 14 de julho de 2007

O mais belo dos livros


52 crónicas, 50 filmes, um prefácio e um posfácio. É quanto basta para fazer «o mais belo dos livros». Cinema em letra impressa. Como só Bénard da Costa sabe projectar. Absolutamente imperdível.

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sexta-feira, 13 de julho de 2007

Teorias da conspiração?

A ideia de convidar o Dr. José Miguel Júdice para coordenar a zona ribeirinha de Lisboa é bizarra a vários títulos:
- Porque são conhecidos os interesses do advogado na hotelaria pelo que o convite soa a «raposa no galinheiro»
- Porque, ao contrário, não se lhe conhece um currículo de gestor
- Porque o advogado, ex-PSD, se converteu misteriosa e recentemente aos encantos de António Costa
- Porque o convite foi anunciado pelo convidado e não pelo convidante
- Porque o foi a meio da campanha para a CML
Pode ser que eu esteja acometido de uma febre esquerdista que me faz delirar com teorias da conspiração, mas que isto cheira mal, cheira...

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quinta-feira, 12 de julho de 2007

IV. O discurso de Ratisbona

É facto curioso que há quem invoque a Turquia é herdeira da cultura bizantina e por isso é um país europeu. Dupla confusão. Em primeiro lugar porque Bizâncio não é a Europa. Mas mais gritante neste caso concreto o facto de o turco se sentir ofendido por ser citada a cultura bizantina. Com efeito, esta foi durante os oito séculos de convívio com o Islão profundamente anti-muçulmana. E retiradas a alianças políticas e talvez em parte alguma genealogia das iconoclastias (questão muito discutida, entenda-se) poucas sociedades foram mais virulentamente anti-muçulmanas quanto Bizâncio. Os opositores ao discurso de Ratisbona são contra a herança bizantina e em geral ortodoxa, o que se vê pela sua russofobia endémica.
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quarta-feira, 11 de julho de 2007

O Público passa-se...

O Público, tal como os outros jornais de referência, é liderado e influenciado parcialmente por uma classe de jornalistas que entrou para os media depois de 1974, proveniente dos movimentos de extrema esquerda que, nessa altura, tomaram as redacções. Essas pessoas evoluíram. Tornaram-se moderadas à medida que amadureceram e foram assumindo chefias delegadas e já não arrematadas. Tudo a favor. Alguns destes jornalistas deixaram-se mesmo aburguesar sentindo as vantagens das coisas e do compromisso. Mas, como recuerdo da pureza original, mantiveram um reduto de revolta pronto a accionar vibrantemente cada vez que duas ou três matérias são questionadas. A liberdade de imprensa, quando condicionada por uma tutela, é uma delas. Tudo a favor, de novo. O problema é [...]
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III. O discurso de Ratisbona

Continuemos.

Que argumentos invocaram? O de que o papa tem relevância política e que por isso deve conter o seu discurso.

Esta argumentação está exactamente no mesmo plano da que foi invocada em relação a Galileu. Assim como em relação a este uma escolástica tardia (saliento, tardia) invocou argumentos teológicos que nunca sequer foram unânimes na própria escolástica, da mesma maneira se disse que o papa tinha um programa anti-islâmico mais ou menos escondido. Mas o pano de fundo da oposição a Galileu, que de resto quase toda a sua vida foi apoiado pelo papa, era político. Não era altura, em plena Reforma protestante, para abalar a fachada (não os[...]
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O que se passa com o Público?

Faço quase todos os dias um esforço por comprar o jornal. Muitas vezes só dá para uma leitura de 5 minutos e por isso dou por mim a pensar que é um desperdício de papel. Mas como acredito que a qualidade só será aumentada pelo mercado, isto é, com maiores vendas, lá faço o meu gesto diário de escuteiro. Acontece que às vezes não percebo o que vem lá escrito e as campanhas que lá se desenvolvem. Esta última, contra uma comissão de regulação, então, é para mim verdadeiramente enigmática. Confesso que também não tive paciência para a ler. Alguém ajuda a explicar o que se passa? Mesmo que a tal entidade esteja a funcionar muito mal - o que é quase certo, atendendo a que são jornalistas a controlar jornalistas - justifica-se esta campanha por um jornal que tem de ser de referência? Se quer[...]

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terça-feira, 10 de julho de 2007

II. O discurso de Ratisbona

Vejamos agora o que disseram os seus detractores. Para isso temos de os dissecar como se fazia com as rãs em laboratório liceal.

A crítica foi teológica? Terá sido o papa acusado de helenomania ou de um marcionismo mitigado? Essa seria realmente uma crítica teológica impreparada, de mero principiante, perante a qual um grande teólogo como Ratzinger sorriria, já conhecendo bem as objecções possíveis e as respostas a elas. Mas seria ao menos uma crítica teológica.

Foi a crítica intelectual ao menos? De todo. Não se levantou ninguém a afirmar uma suposta contradição radical entre o “logos” grego e o cristianismo. Também isto faria sorrir um teólogo e[...]
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segunda-feira, 9 de julho de 2007

Rebelião na Igreja?

Amanhã - terça-feira,10 de Julho - será verdade, ou não, o que hoje se lê no Público: «Bispos muito zangados com Governo».
A Comissão Permanente da Conferência Episcopal, reunida em Fátima, fará sair uma nota sobre o sério descontentamento da Igreja com a equipe e o espírito José Sócrates em relação a diversas áreas como a acção social, as capelanias, a educação, a comunicação social ou a aplicação da nova Concordata. Sobre todas elas houve pedidos de audiência, sempre ignorados. Dois ou três telefonemas confirmam-me a gravidade da insatisfação da hierarquia da Igreja Católica mas temo que a manchete na primeira página: «Bispos reunem-se em Fátima para endurecer críticas ao Governo[...]
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I. O discurso de Ratisbona


Pode parecer capricho meu mas penso que o ar fica mais cristalino quando assenta a poeira e que só se pode enunciar uma demonstração quando cessa a vozearia. Agora que a poeira assentou e o marchante se cansou de opinar já poderei dizer alguma coisa sobre o discurso de Ratisbona.

Que disse o papa? É temerário sintetizar o que já por si é uma síntese de uma vida de profundo estudo, mas eis que aqui arrisco. Afirmou basicamente que a ligação entre cristianismo e helenismo não era ocorrencial, não era um mero incidente histórico, um acaso sobrevindo em mero desvio. A tese é ousada e tem profundas implicações teológicas, históricas e filosóficas. A cultura onde se dá a Incarnação, o judaísmo, nã[...]
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domingo, 8 de julho de 2007

Do Tamanho dos Peixes e das Lagoas

Quando o meu irmão João deixou os EUA, uma amiga americana, disse-me, com alguma perfídia: "preferiu ser um peixe grande numa lagoa pequena, a ser um peixe pequeno numa lagoa grande". Digo com maldade, porque é minha convicção profunda, que do ponto de vista profissional, (e ela sabia-o), seria sempre um peixe grande, admitindo, contudo, que o seu impacto na sociedade americana fosse menos notado. Este é o dilema de muitos de nós, "estrangeirados". A inteligência traz, consigo, uma obrigação ética. A questão é onde fazê-la florescer, criar, produzir, colhendo, em simultâneo, os benefícios materiais e de reconhecimento da sua utilidade e originalidade. "Fazes cá falta", diziam-me alguns dos meus amigos mais benévolos. No entanto, eu sabia que o terreno onde poderiam crescer, no seu má[...]

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sexta-feira, 6 de julho de 2007

O gratuito

Um padre europeu, missionário na China, e nosso contemporâneo, explicou como era difícil transmitir aos chineses a ideia de gratuito. As palavras que o chinês tem para a coisa significam pechisbeque, de má qualidade, sem valor. Por isso explicar que o amor de Deus é gratuito se torna um quebra-cabeças na China. Embora isto não impeça que hoje em dia cresçam as conversões ao cristianismo na China.

Tem no entanto de se reconhecer que é embaraçoso dizer em chinês algo como “dom gratuito de Deus” para falar da experiência de Cristo quando isso tem a ressonância de “dom sem valor”, ou que o amor de Deus é gratuito, ou seja, pechisbeque.

Na cultura europ[...]
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quarta-feira, 4 de julho de 2007

Separar o trigo do joio

Não posso, como imaginam, deixar passar o post do Nuno Lobo Antunes sem resposta. Mas não se pense que estou em desacordo com o essencial do que diz. É inteiramente verdade que, regra geral, a qualidade do jornalismo que se pratica em Portugal é fraca. E é fraca por várias razões.
Desde logo porque na vertigem da criação de novos cursos para tudo e mais alguma coisa, algumas almas caridosas «inventaram» cursos de jornalismo e de comunicação social que na prática só tem servido para dispensar os jornalistas de frequentar licenciaturas «sérias». Tempos existiram em que os jornalistas estudavam história ou filosofia e em que aprendiam o essencial da técnica jornalística (porque é de uma simples técnica que se trata) com «as mãos na massa» e devidamente enquadrados por colegas mais vel[...]

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III. Gli Indoeuropei e le Origini dell'Europa, Francisco Villar, Il Mulino, Bologna, 1997

É evidente que muitas das hipóteses de base nesta ciência são contestadas. Mas é tão vasta que o que se critica num campo pode não afectar tão directamente outro. As críticas às sínteses de Dumézil e do seu trifuncionalismo não impediram a fecundidade do método e de muitas das suas conclusões. Renfrew ou Gimbutas podem ser escorraçados à vontade. Mas se a indo-europeística é acusada pelas fragilidades das suas hipóteses consoante mais se recua no tempo, o mesmo pode ser dito da pré-história. Deitemos ao lixo todos os estudos pré-históricos se quisermos ser consequentes com estas premissas críticas. Menhires para a pedreira, as antas que vão para fazer ladrilhos.

O autor em causa tem o cuidado de não desenvolver a matéria cultural. Preo[...]
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Controle de qualidade

Seguindo o post do Nuno Lobo Antunes sobre a qualidade do jornalismo em Portugal, deixem-me acrescentar umas linhas. Escrever é como andar a cavalo: só não se engana quem não o faz. E o engano tem, claro, de ser o dia-a-dia dos jornalistas. Muitos em Portugal são novos e inexperientes o que, sendo até bom, agrava o problema. Para se atingir uma maior qualidade é necessário que haja revisão dos textos, não só quanto à escrita mas também quanto ao conteúdo. É nisso que há muitas falhas nos jornais nacionais. Há um filme que mostra por dentro o funcionamento da New Yorker, onde há duas ou três pessoas que se dedicam exclusivamente à verificação dos factos mencionados nos artigos em preparação.

O problema do controle da qualidade [...]
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terça-feira, 3 de julho de 2007

II. Gli Indoeuropei e le Origini dell'Europa, Francisco Villar, Il Mulino, Bologna, 1997

A desconfiança em relação à indo-europeística tem algo a ver com a marca nazi e o abuso que dela se fez. Mas mais que isso tem a ver com a desconfiança em relação às grandes sínteses históricas. A postura do cidadão médio, em boa verdade é do doutorado que falo, é cada vez mais caseira. Como se encontram falhas nas grandes sínteses históricas, trata-se delas como se de nada valessem. Seria o mesmo que deitar fora a teoria da gravidade newtoneana porque se demonstrou (?) ser incorrecta.

Facto curioso, porque é precisamente no momento em que se nega a possibilidade de síntese histórica que mais se usa a História como argumento no espaço público. Ou pela via do lugar comum (as cruzadas, o colonialismo), ou pela via da negação (a Europa se[...]
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