quarta-feira, 4 de julho de 2007

Separar o trigo do joio

Não posso, como imaginam, deixar passar o post do Nuno Lobo Antunes sem resposta. Mas não se pense que estou em desacordo com o essencial do que diz. É inteiramente verdade que, regra geral, a qualidade do jornalismo que se pratica em Portugal é fraca. E é fraca por várias razões.
Desde logo porque na vertigem da criação de novos cursos para tudo e mais alguma coisa, algumas almas caridosas «inventaram» cursos de jornalismo e de comunicação social que na prática só tem servido para dispensar os jornalistas de frequentar licenciaturas «sérias». Tempos existiram em que os jornalistas estudavam história ou filosofia e em que aprendiam o essencial da técnica jornalística (porque é de uma simples técnica que se trata) com «as mãos na massa» e devidamente enquadrados por colegas mais velhos e experientes.
Depois porque é mais barato e mais fácil investir em «jornalismo light», em «features» superficiais sobre «famosos», em crimes ou em acidentes de viação (tudo matérias que se podem fazer com os tais jovens jornalistas analfabetos que saem da maioria dos cursos de comunicação social e que inundam muitas das publicações ditas de referência) do que em trabalhos profundos ou de investigação que exigem tempo, especializações e recursos de outro calibre. Já para não falar nos «fact checkers» que menciona o Pedro Lains ou na «Intelligence Unit» do «The Economist».
Finalmente porque vivemos num país pobre, pequeno, com níveis de literacia muito baixos e hábitos de leitura ridículos que é um convite permanente a todo o tipo de cedências e de abaixamento de padrões.
Dito isto, começo a divergir do Nuno Lobo Antunes quando afirma que não há jornais (ou, num sentido mais lato, projectos editoriais) de referência em Portugal. E sustento esta tese com algumas perguntas simples (que não podem deixar de ser lidas à luz da minha evidente parcialidade na matéria):
- Qual foi o mais influente jornal (não clandestino) verdadeiramente independente e crítico do regime publicado em Portugal antes do 25 de Abril?
- Qual foi o jornal a que melhor simbolizou a resistência contra a avassaladora maré comunista nos anos gloriosos do PREC?
- Qual foi o jornal mais crítico do governo Balsemão?
- Qual foi o jornal que, ao fim de trinta anos de liderança instalada, soube precisamente reconhecer que começava a trilhar caminhos incompatíveis com a sua matriz original de qualidade e seriedade jornalística e ousou fazer a maior transformação da sua história com todos os riscos inerentes a uma «revolução» deste tipo?
- Que grupo privado ousou estar na linha da frente da televisão privada em Portugal?
- E que canal «revolucionou» a forma de se fazer informação televisiva num Portugal resignado ao estilo estatizado e oficioso que então tinha a RTP?
- E quem ousou lançar-se na aventura de uma canal de informação 24/24 com investimentos avultados num momento em que nenhum grupo privado «arriscava» produzir em Portugal para um mercado de cabo ainda incipiente?
- Mais relevante ainda: quantos países existem no Mundo em que o jornal líder é um jornal de referência e o canal mais visto no cabo é um canal de informação?
Não há, em Portugal como no Mundo, jornais nem projectos sem imperfeições.Não há exemplos de jornalismo impoluto. Mas ignorar estes e outros factos, ignorar que existem também bons exemplos (que como é óbvio existem também fora do grupo onde trabalho), não é apenas fazer uma análise errada do panorama português. É contribuir para a mediocridade geral. Porque afinal de contas que incentivo pode existir para se fazer melhor se cada um de nós (e particularmente aqueles de nós com mais sentido crítico e logo com mais responsabilidade) nada fizer para, em consciência, separar o trigo do joio?

2 comentários:

Alexandre Brandão da Veiga disse...

A tua análise parece-me bastante equilibrada.

è evidente que:
1) fazer depressa (como têm os media de fazer) e bem é sempre dificil
b) o jornalismo não devia ser licenciatura, mas quando muito uma pós-graduação, sob pena de se aprenderem técnicas ignorando qualquer objecto.
c) o jornalimso é apenas uma das faces mais visíveis de um panorama cultural geral

Mas de tudo isto somado o que salientaria é que se o jornalismo é pouco ou nulamente sindicado, mais importante que criticar os media é ver o que eles dizem sobre o estado da cultura em que vivem.

Se o espectador ou leitor aceita que "tudo é relativo, como disse Einsetin(?)", que os vírus são bactérias, ou que na cultura europeia o Islão tem contributo equiparável ou sequer comparável ao critianismo e os media não são postos a ridículo quando o afirmam, preocupa-me o que estes sejam, mas sobretudo o que os leitores são.

Nuno Lobo Antunes disse...

Uma vez o "Expresso" on line publicou uma notícia sobre o meu irmão Miguel, com uma fotografia de alguém mais novo e "better looking": eu próprio! Enviei um mail brincalhão sem qualquer agressividade. A fotografia foi retirada, mas nem uma simples linha recebi em troca.
Não vou responder ao Pedro por razões que ele conhece, e que se prendem com a mesma dificuldade de isenção/imparcialidade que afectam o administrador do Expresso, Pedro Norton, além de outros deveres de sigilio. Caro amigo, a verdade é que quando leio o NY Times ou o Economist em matérias de que sou profissional, até os poderia usar como referencia em artigos cientificos, tal é o cuidado posto na informação. Não creio que possa fazer o mesmo com QUALQUER semanário de informação português.