segunda-feira, 9 de julho de 2007

I. O discurso de Ratisbona


Pode parecer capricho meu mas penso que o ar fica mais cristalino quando assenta a poeira e que só se pode enunciar uma demonstração quando cessa a vozearia. Agora que a poeira assentou e o marchante se cansou de opinar já poderei dizer alguma coisa sobre o discurso de Ratisbona.

Que disse o papa? É temerário sintetizar o que já por si é uma síntese de uma vida de profundo estudo, mas eis que aqui arrisco. Afirmou basicamente que a ligação entre cristianismo e helenismo não era ocorrencial, não era um mero incidente histórico, um acaso sobrevindo em mero desvio. A tese é ousada e tem profundas implicações teológicas, históricas e filosóficas. A cultura onde se dá a Incarnação, o judaísmo, não é mero acaso, já se sabia, é doutrina ortodoxa expressa desde há mais de dezoito séculos contra o marcionismo, nomeadamente. A cultura onde ela se expressa, o grego, é dada como assente. Que tenha um significado teológico, essa já é outra questão.

A tese defendida pelo papa Bento XVI não tem apenas implicações em teologia fundamental. Tem igualmente implicações pastorais sérias. Quando o catolicismo se expande fortemente na Ásia e em África, zonas de aculturação europeia relativamente menor, o discurso de Ratisbona estabelece limites à aculturação. E esses limites são o do “logos” grego. Questão também antiga esta, que foi particularmente acesa durante a polémica seiscentista e setecentista do rito chinês jesuíta.

Nada do que foi dito nesse discurso está lá em vão. Trata-se de uma aula dada por um homem de cultura superior. Cada frase, por mais inocente que pareça, resulta da reflexão de uma vida, de estudo profundo, de dialéctica sólida.

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