terça-feira, 30 de novembro de 2010

Torre e Espada II

Já muito mais tarde, era eu adulto, vi uma entrega de condecorações por um anterior presidente da república. Eram centenas de pessoas a ser agraciadas, se este era o verbo correcto, porque boa necessidade tinham de receber alguma graça. Eram centenas, ávidos como cães a um osso. Os mesmos que afirmavam em entrevistas dizer desprezar honras, mas que se apressaram a aturar uma tarde quente de Junho para terem uns segundos de uma glória sob a forma metálica que mais ninguém lembraria a não ser os próprios.

Nessa altura, a minha desilusão com as condecorações transformou-se definitivamente em desconfiança absoluta. As condecorações tinham-se tornado em... caricas. Aquilo que prometia em vão e criava desilusões em criança, aquilo que depois não poderia nunca[...]
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segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Torre e Espada I

Diz uma longa mitologia nacional que a Torre e Espada é a mais alta condecoração que pode ser atribuída em Portugal. Não a contesto nem a confirmo. Apenas lhe pretendo salientar os perigos, e um leitor mais generoso não há-de deixar de me dar razão.

Quando era criança apanhei por acaso uma conversa em que se referia que o meu pentavô, João Manuel de Menezes da Veiga, tinha recebido uma Torre e Espada. A espada não me impressionou muito, porque já tinha visto que chegassem, e torres já conhecia algumas, mas integradas em casas. Agora uma torre, isolada, sem mais, parecia-me de história de sonho. Já a imaginava, quadrada, em pedra, sólida, em cima da qual se veria uma vasta paisagem.

Mas as crianças têm as suas manhas, e já tinha percebido que faze[...]
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quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Um mundo e algumas valsas II

La Valse é outra história. O próprio título o indica. Não é triste, não precisa de qualificações. Não se esconde sob o exotismo oriental de fim de século. Não surge como a negação do que é a valsa. Está nos antípodas das outras três composições nesse aspecto. É a valsa no seu estado puro, na sua essência, na sua mais pura expressão. Valsa a três tempos, em cúmulo.

Ravel parte da Valsa do que tem de mais fundamental e não foge dela. Enfrenta-a no que tem de mais rigoroso e grandioso. A valsa é a negação da gravidade e nesse aspecto é um símbolo maior de civilização. O tosco assenta na terra. O que valsa age como se as leis da natureza tendessem todas para a ausência de fricção, entropia, atrito e gravidade. O mundo é legível mas, mais importante[...]
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segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Um mundo e algumas valsas I

Alguns factos e uma cronologia. 1902: Sibelius faz a suite Kuolema (“a morte”) com 37 anos, suite de que faz parte a Valse Triste. 1905: Strauss faz a ópera Salomé com 41 anos de que faz parte a dita dança dos sete véus. 1913: é a data do Sacre du Printemps de Strawinski, na altura com 31 anos. 1920: La Valse de Ravel, então com 45 anos.

Reconheçamos em primeiro lugar o seguinte: só La Valse é posterior à Primeira Guerra Mundial e é composta por um músico com idade mais avançada que as outros. Este facto terá mais ou menos importância, relativa ajuda para explicar alguma coisa, mas não pode ser o único decisivo.

Não pretendo julgar da valia musical de cada obra. Uma das obsessões da nossa época é a de criar pódios, de falar do melhor músico, do m[...]
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quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Realismo fantástico e teoria dos valores III


Que tem a ver o realismo fantástico com a teoria dos valores? Para começar padecem do mesmo sintoma: o sucesso público e o abandono filosófico, e um vai de par com o outro. É precisamente por o espaço público ser pobre em pensamento que um e outra têm nele sucesso. Em segundo lugar, a associação temerária entre realismo e ciência. Reduz-se o que seja o realismo e o que seja ciência para que sejam o espelho uma da outra, esquecendo-se das origens idealistas de muita da ciência e sobretudo do facto de que o realismo não se reduz a um realismo social fortemente ideológico. Em terceiro lugar, tentam dar cor a um mundo sem cor, exactamente porque decidiram que o fundo do mundo não a tem. Não era o mundo a não ter cor, é a sua visão do mundo que é cega a ela. Po[...]
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quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Realismo fantástico e teoria dos valores II

Vejamos agora a teoria dos valores.

Quando Dilthey e mais tarde Max Scheler desenvolvem esta brilhante teoria não poderiam adivinhar o sucesso que ia ter. O pano de fundo é no fim de contas o da derrota da filosofia. A ciência é reconhecida como a forma de visão correcta, mas haveria campos da realidade que a ciência não conseguia explicar. Basicamente o das ditas ciências do espírito. A História, a antropologia, a sociologia, a estética não seriam explicadas pela ciência. De que ciência falavam? Das ciências ditas naturais, entendidas como um magma relativamente uniforme.

O problema da teoria dos valores reside assim nas suas limitações. Profundamente anti-metafísica na sua origem, filha do positivismo, a teoria dos valores vê a ciência com os o[...]
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terça-feira, 9 de novembro de 2010

Realismo fantástico e teoria dos valores I

Duas realidades que ninguém se lembra de cotejar: o realismo fantástico e teoria dos valores. A comparação na nossa época é em geral apressada apenas porque o pensamento é irresponsável e provinciano. Mas na cultura as coisas não estão desgarradas. O sucesso de dois movimentos que aparentemente nada têm a ver um com o outro é geralmente mais significativo do que se pensa.

Comecemos pelo realismo fantástico. A expressão aparece nos anos 50, se bem me lembro, em pensadores da extrema-direita francesa ou tendo nela a sua origem, como Jacques Bergier e Louis Pawels. E eis que passa para a qualificação de alguma literatura latino-americana para de novo retornar à Europa. Que muitos bem pensantes ditos de esquerda vão beber à extrema-direita não é novidade. A[...]
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quinta-feira, 4 de novembro de 2010

A política ambiental III

Comecemos pelo que eu não acredito quanto aos efeitos globais.

Em primeiro lugar, não acredito na santidade de um lado e na conspurcação de outro. Os ambientalistas não são mais santos que os outros. Hoje em dia os interesses instalados dos ambientalistas, seja junto dos governos, seja junto das universidades, institutos, mas igualmente junto de empresas que vivem do grande nicho ecológico, não são menores que os das empresas ditas poluentes. Que as empresas tradicionais de energia tenham feito o que puderam durante anos para desmerecer os riscos ambientais é perfeitamente crível. Mas os dados ficam hoje em dia bem mais complexos quando são muitas vezes essas empresas que começam a ter interesses crescentes nas energias renováveis.

Em segundo lug[...]
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quarta-feira, 3 de novembro de 2010

A política ambiental II

As necessidades geoestratégicas convencem-me igualmente.

Em primeiro lugar porque a Europa, como todo o mundo dito ocidental, é energeticamente dependente. E dependente de zonas instáveis sob o ponto de vista político. Médio Oriente, Maghreb, Ásia Central, entre outros. Uma das vantagens das energias renováveis é o de se poderem fixar na Europa. Existem obviamente projectos faraónicos, como o de transformar o Saará e parte do Maghreb em central solar para a Europa. Mas esse seria o pior erro estratégico. Seria deitar dinheiro para zonas instáveis e não aproveitar a oportunidade de mais independência energética.

Em segundo lugar pela possibilidade que gera de renovação tecnológica e económica. Os choques petrolíferos foram lições para a Europa, qu[...]
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terça-feira, 2 de novembro de 2010

A política ambiental I







Não sendo especialista em ambiente, não posso deixar de estar confundido pelas discus[...]
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