quinta-feira, 4 de novembro de 2010

A política ambiental III

Comecemos pelo que eu não acredito quanto aos efeitos globais.

Em primeiro lugar, não acredito na santidade de um lado e na conspurcação de outro. Os ambientalistas não são mais santos que os outros. Hoje em dia os interesses instalados dos ambientalistas, seja junto dos governos, seja junto das universidades, institutos, mas igualmente junto de empresas que vivem do grande nicho ecológico, não são menores que os das empresas ditas poluentes. Que as empresas tradicionais de energia tenham feito o que puderam durante anos para desmerecer os riscos ambientais é perfeitamente crível. Mas os dados ficam hoje em dia bem mais complexos quando são muitas vezes essas empresas que começam a ter interesses crescentes nas energias renováveis.

Em segundo lugar não sei em quem acreditar sob o ponto de vista de honestidade intelectual. A desonestidade intelectual da discussão confrange-me. De repente vejo pessoas com a mesma certeza absoluta afirmarem relações de causalidade ou negarem-nas. A verdade é que os modelos de previsão do ambiente são de uma complexidade matemática imensa. Eis que de repente o merceeiro que mal toca no seu lápis para fazer uma conta de somar já manipula equações com derivadas parciais com desenvoltura.

Assusta-me, porque isso diz muito sobre o envenenamento do ambiente científico, também ele massificado, ver até que ponto os dissonantes são calados. Os dissonantes umas vezes são tontos, outras são Planck ou Maxwell. E a ciência faz-se dessas dissonâncias. Quando vejo movimentos para calar uma parte da discussão sei que quem o faz está bem longe de ter espírito científico. Usa instrumentos com bizantina satisfação, mas falta-lhe a dimensão para ser cientista.

E o público em geral, que tanto afirma que a ciência não basta, e que pouco sabe de ciência, é o primeiro a esgrimir o argumento científico, afirmando que está cientificamente provado que... seja o que for. Esquecendo que quando o faz apenas usa um argumento de autoridade, ou seja, não cientifico. Que a ciência seja usada e abusada para fins não científicos, como mero fetiche, a nossa época dá muitos e tristes exemplos. É mais um exemplo do espírito parasitário da época. Parasita-se a ciência como se parasitam os privilégios do cristianismo, para os negar a todo o momento e os invocar quando animicamente é oportuno.

Por isso, e ainda quanto aos efeitos globais, depois de dizer no que não acredito, apenas posso afirmar o que não sei. Não sei se e até que ponto, por que mecanismos e com que magnitude a actividade humana actua sobre o ambiente. Desconheço o potencial de reequilíbrio do ambiente. Ignoro se, mesmo que não tenha sido o homem a alterar o ambiente, qualquer política ambiental possa ter efeitos sobre o mesmo e em que grau. Aceito que um princípio de precaução é prudente em muitas áreas desde que razoavelmente aplicado (nos alimentos geneticamente modificados, por exemplo). No entanto, para ser franco, creio que as duas primeiras ordens de razão já são bastantes para me fazer acreditar numa política ambiental e que qualquer discussão na matéria dos efeitos globais corre o risco de criar mitos entre o público em geral.

O que esta discussão sobre o ambiente revela é algo de bem mais fundo. É a eterna luta entre o homem lúdico, representado aqui por muitos homens de empresas e políticos, e o arquétipo de provedor.

Neste aspecto, os ambientalistas são mais herdeiros do espírito cristão, embora mais uma vez por via liofilizada. O homem tem de cuidar da natureza porque é o seu herdeiro, enche-se de culpas em relação à natureza porque peca contra ela. É evidente que se trata de uma caricatura do cristianismo, mas os movimentos “alternativos” alimentam-se sempre desta caricatura. Não conhecem outras fontes de pensamento senão as cristãs, mas não são capazes de as perceber. Julgam-se pós-cristãos, a-cristãos, mas são apenas filhos degenerados do cristianismo.

Os que ignoram o ambiente, são herdeiros do homem lúdico, que brinca com a natureza e julgando-se avatares da auto-regulação (levado ao seu extremo do equilibro ecológico), esquecem-se de que podem existir limites ao poder auto-regenerador da natureza. Se der um murro a alguém poucos dias depois a pessoa volta à situação anterior. Se lhe amputar um membro duvido que isso aconteça. Uns e outros parecem-se em suma algo infantis. Nunca me dei a importância de ser pai da natureza nem a pequenez de não a ter de cuidar.

Por isso basto-me por enquanto com as duas primeiras ordens de razões: a dos efeitos locais e geoestratégicas. Já são mais que suficientes. Quanto à dos efeitos globais, teria preferido que fossem os cientistas a esclarecer-me e não um ex-vice-presidente que, por mais bem intencionado que seja, deve saber um pouco menos de análise que eu e ter ainda mais fraca cultura da ciência. Talvez se invocássemos menos ciência em público e déssemos mais espaço aos cientistas para dela falar, assim teríamos algumas coisas mais a aprender.





Alexandre Brandão da Veiga

2 comentários:

Manuel Rocha disse...

Gostei do desenvolvimento e da forma como conclui. Subscrevo. A ênfase na dimensão local e geoestratégica parecem-me cruciais para reposicionar a discussão e tornar consequente o debate ambiental. Fez bem em referir a complexidade dos modelos matemáticos previsionais. Representar sistemas dinâmicos não lineares é uma tarefa complexa. Mas associada a esta há uma outra questão: a qualidade da informação que os alimenta. Dou um exemplo. Para quem julga entender algo de agronomia, continua a ser um mistério como é que no crescimento ocorrido numa árvore há mil anos, se consegue isolar a influência do factor temperatura da de todos os restantes factores de crescimento, já que o crescimento de um ser vivo também é um sistema dinâmico não linear.

Táxi Pluvioso disse...

Neste caso, é fundamental que se aumente a população mundial, como muito bem pedem todos os dirigentes. Como não há nenhuma relação entre, destruição ambiental e crescimento demográfico, nem sequer é a causa base dessa destruição ambiental, aumentando a população mundial (mais votantes, mais trabalhadores, mais contribuintes) precipitaremos a construção da Battlestar Gallactica e a colonização de outros mundos. boa semana