Um mundo e algumas valsas II
La Valse é outra história. O próprio título o indica. Não é triste, não precisa de qualificações. Não se esconde sob o exotismo oriental de fim de século. Não surge como a negação do que é a valsa. Está nos antípodas das outras três composições nesse aspecto. É a valsa no seu estado puro, na sua essência, na sua mais pura expressão. Valsa a três tempos, em cúmulo.
Ravel parte da Valsa do que tem de mais fundamental e não foge dela. Enfrenta-a no que tem de mais rigoroso e grandioso. A valsa é a negação da gravidade e nesse aspecto é um símbolo maior de civilização. O tosco assenta na terra. O que valsa age como se as leis da natureza tendessem todas para a ausência de fricção, entropia, atrito e gravidade. O mundo é legível mas, mais importante, atravessa-se com leveza. Obra difícil se a há.
Ravel parte da valsa para mostrar o que é uma civilização: a sublimação de uma barbárie. Isto não lhe retira nenhuma grandeza. É precisamente por saber que a barbárie está na base de todo o comportamento humano que o civilizado tem mérito. Opta. E opta pelo melhor. Ravel põe a nu as bases da civilização, de toda a civilização, mas sobretudo da mais complexa de todas, a europeia, mostrando que, nunca saindo da valsa e partindo dela tudo se pode desfazer. A civilização, toda ela, é frágil, assenta num tecido sempre muito ténue. Rasgões são tão mais fáceis e desfigurantes quanto delicado é o tecido. No pano grosso o rasgão custa e passa despercebido frequentemente.
Aceitemo-lo. La Valse é uma obra inteligente, superiormente inteligente. Não é mais profunda que as restantes sob o ponto de vista musical, nem forçosamente mais bela. Não é aí que a coisa é relevante para estes efeitos. Ideologicamente é mais lúcida. E mais lúdica porque não dialoga com o exótico como Strauss, nem finge partir dele como Strawinski, nem se fica pelos limites da civilização como Sibelius. Em certo sentido, pelas suas limitações, são mais artistas. Ravel é mais inteligente aqui porque faz obra de antropólogo, trata o civilizado como se deve tratar o selvagem: de dentro, a partir das próprias premissas. Percebe que a solução para o civilizado não é deixar de o ser, mas a de perceber que nunca o é totalmente. Que nas bases do que vive há um lodaçal de massas vulcânicas e poeiras nascidas e vividas pela violência. O civilizado não é menos que o selvagem. Porque tem tudo o que o selvagem tem e mais qualquer coisa. Na base somos todos selvagens. É esse o mérito do civilizado. O de não se ficar só pela base.
Alexandre Brandão da Veiga
Ravel parte da Valsa do que tem de mais fundamental e não foge dela. Enfrenta-a no que tem de mais rigoroso e grandioso. A valsa é a negação da gravidade e nesse aspecto é um símbolo maior de civilização. O tosco assenta na terra. O que valsa age como se as leis da natureza tendessem todas para a ausência de fricção, entropia, atrito e gravidade. O mundo é legível mas, mais importante, atravessa-se com leveza. Obra difícil se a há.
Ravel parte da valsa para mostrar o que é uma civilização: a sublimação de uma barbárie. Isto não lhe retira nenhuma grandeza. É precisamente por saber que a barbárie está na base de todo o comportamento humano que o civilizado tem mérito. Opta. E opta pelo melhor. Ravel põe a nu as bases da civilização, de toda a civilização, mas sobretudo da mais complexa de todas, a europeia, mostrando que, nunca saindo da valsa e partindo dela tudo se pode desfazer. A civilização, toda ela, é frágil, assenta num tecido sempre muito ténue. Rasgões são tão mais fáceis e desfigurantes quanto delicado é o tecido. No pano grosso o rasgão custa e passa despercebido frequentemente.
Aceitemo-lo. La Valse é uma obra inteligente, superiormente inteligente. Não é mais profunda que as restantes sob o ponto de vista musical, nem forçosamente mais bela. Não é aí que a coisa é relevante para estes efeitos. Ideologicamente é mais lúcida. E mais lúdica porque não dialoga com o exótico como Strauss, nem finge partir dele como Strawinski, nem se fica pelos limites da civilização como Sibelius. Em certo sentido, pelas suas limitações, são mais artistas. Ravel é mais inteligente aqui porque faz obra de antropólogo, trata o civilizado como se deve tratar o selvagem: de dentro, a partir das próprias premissas. Percebe que a solução para o civilizado não é deixar de o ser, mas a de perceber que nunca o é totalmente. Que nas bases do que vive há um lodaçal de massas vulcânicas e poeiras nascidas e vividas pela violência. O civilizado não é menos que o selvagem. Porque tem tudo o que o selvagem tem e mais qualquer coisa. Na base somos todos selvagens. É esse o mérito do civilizado. O de não se ficar só pela base.
Alexandre Brandão da Veiga
6 comentários:
é devido à internet que as elites se escondem da política e da responsabilidade.
senão vejamos, um Marx, um Churchill, um Salazar: este tipo de animais só medra em gabinetes aconchegantes, privilegiam a tertúlia sobre o blogue, querem abrir a correspondência com faca de marfim ( os conhaques, as vodcas, todo um programa...)
uma elite é, por definição, constituída por almas idosas.
largadas neste mundo rápido de vidro e inox sentem-se aprisionadas num corpo que não é o seu.
numa luta que não é a sua, sentem que não há condições.
lêem Pessoa, ah que prazer ter idéias para ter, e não as desenvolver. chafurdam no voyeurismo: afinal lá por serem almas velhas são ainda almas humanas.
a internet, com o seu asseptismo, hipoteca longamente o surgimento ( confortável para elas) de novas elites.
http://santhyoblogg.blogspot.com/
- Talvez...
Mas que tal um nome a assinar o comentário, para lhe
dar "carne e osso"?
A Ínclita Geração, foi uma elite jovem, por exemplo. Uma alma é, por definição, eterna.
que pasa??
basta botar uns lugares comuns de dissidência para tudo se mexer de novo?
demasiado para beber, tão pouco tempo para ler...
300 livros, 1o% lidos
gosto de lhe chamar "de consulta", à minha biblioteca.
pedro gomes (brogueiro Rom)
João!!! Hoje fiquei contente!
O Papa disse que se deve usar preservativo para prevenir a SIDA.
Biliões de Cristão mal informados e fundamentalistas morreram em África por culpa da anormalidade do Vaticano.
Hoje, uma só frase de um homem de carne e osso, mudou a vida doutros biliões.
O Vaticano e a humanidade, estão de parabéns!!!!
Um forte abraço ( temos saudades da Inéz!!! )
MVS
MSV!
Um abraço fraterno deste que tenta conhecer e seguir a inspiração do Espírito recebido no baptismo
João W.
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