segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Um mundo e algumas valsas I

Alguns factos e uma cronologia. 1902: Sibelius faz a suite Kuolema (“a morte”) com 37 anos, suite de que faz parte a Valse Triste. 1905: Strauss faz a ópera Salomé com 41 anos de que faz parte a dita dança dos sete véus. 1913: é a data do Sacre du Printemps de Strawinski, na altura com 31 anos. 1920: La Valse de Ravel, então com 45 anos.

Reconheçamos em primeiro lugar o seguinte: só La Valse é posterior à Primeira Guerra Mundial e é composta por um músico com idade mais avançada que as outros. Este facto terá mais ou menos importância, relativa ajuda para explicar alguma coisa, mas não pode ser o único decisivo.

Não pretendo julgar da valia musical de cada obra. Uma das obsessões da nossa época é a de criar pódios, de falar do melhor músico, do melhor escritor, do mais vendido dos cantores, do mais visto dos filmes, como se isso tivesse algum fundamento ou alguma importância. Pode-se definir uma plêiade, mas não um pódio. A cultura tem níveis, mas não listas de vendas.

Não me interessa por isso saber qual das obras foi mais importante para a História da música, qual dos compositores é musicalmente mais profundo, até porque a cada momento cada um deles tem importâncias diversas e da minha parte não dispensaria nenhum.

Nem procuro ser completo. Outras valsas, como a Shostakovski poderiam ser referidas. Comecemos por isso por o que não é uma valsa.

O Sacre du Printemps é tudo menos uma valsa. Fez-se tudo para que fosse o inverso de uma valsa. Se sob o ponto de vista musical é indubitavelmente um monumento, a verdade é que sob o ponto de vista ideológico mostra alguma ingenuidade. Strawinski parte de um primitivo imaginado, mais que conhecido, e usa a complexidade da teoria musical europeia para o representar. Obra maior sem dúvida, mas que acaba por se tornar hoje em dia relativamente inofensiva. Como tantas outras, ajudou a produzir grandes efeitos, criando uma moda do primitivo, do tosco, do telúrico, que fica bem em gente de grande complexidade e cultura como o compositor e os seus verdadeiros apreciadores, mas torna-se mera rotina na sala de espectáculo em que se mostra o Bantu estilizado na malha urbana.

A dita dança dos sete véus da Salomé é outra obra-prima. Aqui toda a sofisticação sem vergonha de Strauss aparece em glória. Mas reconheçamo-lo: trata-se de uma valsa. Não é ambiente de Tetrarquia, mas mais de dupla coroa. Ninguém se engana: é de Viena e não da Palestina que se trata. Strauss nunca teve a obsessão do primitivo. Trabalha com o sofisticado até ao seu último grau, conhecia profundamente os instrumentos da História da música, os seus mecanismos mais profundos, e por isso não tinha medo de os diluir. É desta oscilação entre bom comportamento e ousadia, sempre com um pano de fundo disciplinado, que aparece a impressão de primitivo.

Sibelius é outro mundo. A Valse triste é um monumento de um romantismo que não sai de si, mas tenta ir aos seus últimos limites. O título é justo, mas apenas parcialmente. Em certas partes não é triste, é revoltada. Corre, mas não sai do mundo impecavelmente branco da Belle Epoque nórdica. No fundo é uma interpretação. Plenamente integrada na Europa, a Finlândia marca o seu lugar próprio nela. Nesse sentido é mais um testemunho politico que directamente sentimental. Mas a marca sentimental é muito forte. Por isso Sibelius não sai do mundo onde vive, rodeia-o, mostra-lhe as fronteiras. Guia-nos dentro dele, mas não consegue dele sair.

2 comentários:

maria lisboa....... disse...

TEMOS SAUDADES DA INÊZ!!!!!

O Facundo Arengador disse...

temos saudades deste blog

( o resto da malta onde anda? entregaram isto ao Profuso Arengador?)