quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Realismo fantástico e teoria dos valores III


Que tem a ver o realismo fantástico com a teoria dos valores? Para começar padecem do mesmo sintoma: o sucesso público e o abandono filosófico, e um vai de par com o outro. É precisamente por o espaço público ser pobre em pensamento que um e outra têm nele sucesso. Em segundo lugar, a associação temerária entre realismo e ciência. Reduz-se o que seja o realismo e o que seja ciência para que sejam o espelho uma da outra, esquecendo-se das origens idealistas de muita da ciência e sobretudo do facto de que o realismo não se reduz a um realismo social fortemente ideológico. Em terceiro lugar, tentam dar cor a um mundo sem cor, exactamente porque decidiram que o fundo do mundo não a tem. Não era o mundo a não ter cor, é a sua visão do mundo que é cega a ela. Por isso num e noutro caso temos a sensação de que estamos perante livros de criança para colorir, em que o desenho já está previamente fixado e supostamente se estimula a criatividade apenas podendo escolher cores de forma mais ou menos arbitrária.

O problema é que nenhuma destas visões do mundo é realista, nem científica, nem carnal. É descarnada e triste, usando o valor ou o fantástico como tinta artificial para cãs precoces. O seu sucesso está na medida do seu desespero. Tirando o suco vital ao mundo, vendo-o como liofilizado, dão-lhe humidade juntando água, e aspecto juntando o colorante artificial.

O qualificativo é aliás significativo. Valores e fantástico participam do mesmo mundo fantasmagórico, que tem medo de estar morto e em que se apela para algo com vida própria e que não controla para dar substância ao mundo. Apela-se para algo fora do mundo, para algo fora da sua legitimação, exactamente para o legitimar. O pressuposto é igualmente pobre. Seja o império da ciência por quem a ignora, seja um realismo ideológico, ou seja, o oposto do realismo, mostram que as bases em que assentam são frouxas, num mundo em que não há pé, o afogamento é eminente, exactamente porque é de fora que vem a sua salvação. De uma forma ou de outra são novas soteriologias, oblíquas, que nasceram do abandono das directas. Apela-se para um deus desconhecido apenas dos ignorantes, e fica-se satisfeito e receoso por esse desconhecimento. Uma vida vivida por procuração porque a vida imediata não lhes faz sentido. Tristes os trópicos onde fazem nascer o fantástico e tão tristes os espíritos onde fazem nascer os valores, são cultivados por almas danadas que temem uma morte que já as conquistou e esperam salvação do que nunca nasceu para as ajudar.









Alexandre Brandão da Veiga

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