Revoltando à educação!
A manifestação de contestação à ministra da educação levada a cabo pelos professores tem-se vindo a tornar numa questão passional, segundo a qual as posições se vão extremando ou em favor dos professores e contra os seus sucessivos ministros, ou em favor dos governantes e contra os mestres dos nossos filhos. O genuíno entusiasmo das posições (aliás bem patente nos posts e respectivos comentários que aqui têm tratado o tema) parece ter criado nas almas de alguns a ideia da possibilidade de uma verdadeira mudança. Talvez... Mas para que isso aconteça é fundamental recolocar a questão.
O desencontro entre os professores e os seus governantes, na verdade, não é novo. A novidade expressa por esta manifestação é antes a sua força! Os professores revoltaram-se muito para além dos limites próprios da acção dos seus sindicatos e o governo resistiu-lhes muito para além das suas conveniências eleitorais. Ora, a importância deste movimento está justamente no facto de ter transcendido a mera questão laboral e de a educação se ter assumido como uma questão que interessa a toda a comunidade.
Não digo que a questão laboral não seja importante. Ao contrário, ela é quase tão antiga como a função, como se pode ver, na antiga Grécia, pela evolução conflituosa dos pedagogos (escravos que levavam os filhos dos seus amos para a “escola” carregando as suas coisas e iluminando o seu caminho) para os sofistas (mestres que ensinavam a ciência a troco de dinheiro). Mas afirmo que estes problemas laborais se devem compreender na questão mais vasta da educação, a qual diz respeito à comunidade – e não apenas aos professores e aos seus patrões.
É bom lembrar que, na sua origem, pedagogo (παιδαγωγός, de παίς: criança + άγω: levar) significava “levar a criança”, sentido que o latim manteve com o verbo educar (educare, de ex: de, a partir de + ducere: levar, conduzir), que quer dizer “conduzir a partir de algo ou de alguém”. Ora, este lugar de onde se parte e para onde se conduz diz necessariamente respeito a toda a comunidade, como muito bem expressa o termo latino professor (de profiteor = declarar-se publicamente; confessar; prometer), que significa “aquele que professa uma doutrina com a qual publicamente se compromete”.
É esta dimensão comunitária que, do meu ponto de vista, é preciso recuperar na educação em Portugal, substituindo-a à estatizante visão marxista que, permanecendo no seio da nossa administração pública, reduz todas as questões a um mero conflito laboral. Como fazê-lo? É simples: transcendendo a questão laboral e reclamando autonomia para as escolas!
É por isso, já o disse, que o actual movimento de contestação é importante – porque transcendeu a questão laboral. Vamos ver, porém, quanto tempo dura. Porque, perdoem-me os genuinamente entusiasmados, é aqui que os professores e a ministra estão de acordo: habituados que estão a uma luta meramente laboral, não querem uma verdadeira autonomia das escolas.
Autonomia, de facto, não quer dizer independência, mas a capacidade de determinar-se a si próprio, tornando-se responsável perante aqueles com quem estabelece, dentro daquilo que em cada momento é possível, laços de dependência. É isto que devem ser as escolas: comunidades educativas autónomas responsáveis tanto perante as comunidades que as envolvem como perante a estrutura que representam.
Só quando os pais, os comerciantes, os industriais, as associações e as autarquias quiserem e puderem, sob proposta das direcções das escolas, colaborar com elas na determinação do futuro dos seus alunos - assim obrigando a um relacionamento completamente diferente entre a escola e ministério da educação -, poderá haver uma verdadeira avaliação das escolas. E só quando as escolas forem assim avaliadas poderão – e deverão – os seus professores ser também avaliados. Porque então os destinos dos alunos, dos professores e das escolas estarão ligados.
A questão não é, portanto, neste momento, objectiva, isto é, o início da mudança não passa pela promulgação de mais decretos, como a experiência nauseabundantemente prova! A questão é subjectiva, isto é, diz primordialmente respeito ao agente da mudança. Mas o agente da mudança terá de transcender o momentâneo agrupamento dos professores, caso contrário será rapidamente reconvertido a uma mera questão laboral. Desgraçadamente, as nossas famílias não intervêm consistentemente, os nossos agentes económicos não investem estruturadamente, as nossas associações não têm força e os nossos partidos não têm visão.
O que podemos, então, fazer? Pouco. Mas isso é o que próprio dos homens – e dos portugueses também! Libertemo-nos das saudades deturpadas dos actos heróicos de outrora e comecemos por mudar a escola dos nossos filhos, do nosso bairro, da nossa freguesia. Associemo-nos para encontrar formas de melhorar as suas instalações e o seu funcionamento. Peçamos então à sua direcção que a escola nos sirva melhor, de acordo com as nossas próprias necessidades – e não as de outros estatisticamente imaginados. Mostremos depois o seu exemplo para que se possa replicar. E exijamos sempre o direito de fazer tudo isto. Assim começará a mudança. Será lenta, é verdade, mas eficaz.
4 comentários:
Gonçalo, estando no todo em acordo consigo, não sou tão óptimista em relação à linearidade da solução.
Há muito que me parece que os professores em portugal, na sua maioria está claro, são uma espécie de agentes do engano. A maior parte é professor porque não arranjou outro emprego. A maior parte está de baixa psiquiátrica mais de metade do ano. A maior parte portanto , não nasceu com vocação para como diz e bem, professar uma doutrina com a qual publicamente se comprometa. Em meu entender, a maior parte não sabe mesmo o que é devoção, vocação ou doutrina. E é isto que eu gostava que se avaliasse. É nisto que aqueles que ensinam deveriam dar provas. Não é possivel passar saber se não o tivermos. Não é possivel passar o saber se não o sentirmos. E o grande problema começa antes deste mercado específico do ensino. Começa quando a estrutura económica e social não dá vasão a todos os que precisam de trabalhar num panorama diversificado. Ser professor em portugal passou a ser um recurso e não uma profissão. Neste cenário , aonde se deve começar a emendar?
Helena, obrigado pelo comentário. Duas coisas, apenas. A primeira para dizer que, do meu ponto de vista, os problemas e as suas soluções não devem centrar-se nos professores. Eles não são um problema, tal como não são uma solução. A questão transcende-os: é comunitária! A solução, portanto, tem de ser encontrada pela comunidade. Melhor, por cada uma das comunidades que envolvem, ou devem envolver, cada uma das escolas.
A segunda decorre desta: a solução, simples, como no meu post disse, não é de todo linear. Sendo comunitária implica a relação e o compromisso com os outros, a qual, em Portugal, continua a ser muito difícil. Que o diga quem já participou em reuniões de alunos, em reuniões de pais, em assembleias de professores ou em assembleias de escolas...
Assentes nisto concordo em tudo consigo. O meu ponto, porém, é este: não pode pretender-se que a educação tenha por meta a autonomia dos alunos se ela própria não acontecer numa comunidade escolar autónoma.
"A maior parte é professor porque não arranjou outro emprego. A maior parte está de baixa psiquiátrica mais de metade do ano."
São 143 mil professores, a maior parte significa portanto pelo menos mais de metade, ou seja mais de 71 mil e quinhentos professores que segundo esta senhora Helena Forjaz não conseguiu mais nada na vida para fazer ou está mais de metade do ano sem trabalhar. Nada é mais prejudicial do que este tipo de afirmações gratuitas, pouco sérias e sem qualquer conhecimento da realidade. Imaginemos que esta senhora é mãe, tem filhos e usa este tipo de registo nas suas conversas familiares.
Talvez pensar um bocadinho antes de pôr cá para fora tantas certezas!!
Inês Pecquet
Importa antes de mais valorizar no texto a ruptura que ensaia com as abordagens convencionadas.
Muitas vezes a forma como as questões são equacionadas, passam a fazer parte do problema e não da solução.
Importam por isso ensaios que, como este, procurem novas equações.
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