terça-feira, 11 de março de 2008

Revoltando à educação!

A manifestação de contestação à ministra da educação levada a cabo pelos professores tem-se vindo a tornar numa questão passional, segundo a qual as posições se vão extremando ou em favor dos professores e contra os seus sucessivos ministros, ou em favor dos governantes e contra os mestres dos nossos filhos. O genuíno entusiasmo das posições (aliás bem patente nos posts e respectivos comentários que aqui têm tratado o tema) parece ter criado nas almas de alguns a ideia da possibilidade de uma verdadeira mudança. Talvez... Mas para que isso aconteça é fundamental recolocar a questão.
O desencontro entre os professores e os seus governantes, na verdade, não é novo. A novidade expressa por esta manifestação é antes a sua força! Os professores revoltaram-se muito para além dos limites próprios da acção dos seus sindicatos e o governo resistiu-lhes muito para além das suas conveniências eleitorais. Ora, a importância deste movimento está justamente no facto de ter transcendido a mera questão laboral e de a educação se ter assumido como uma questão que interessa a toda a comunidade.
Não digo que a questão laboral não seja importante. Ao contrário, ela é quase tão antiga como a função, como se pode ver, na antiga Grécia, pela evolução conflituosa dos pedagogos (escravos que levavam os filhos dos seus amos para a “escola” carregando as suas coisas e iluminando o seu caminho) para os sofistas (mestres que ensinavam a ciência a troco de dinheiro). Mas afirmo que estes problemas laborais se devem compreender na questão mais vasta da educação, a qual diz respeito à comunidade – e não apenas aos professores e aos seus patrões.
É bom lembrar que, na sua origem, pedagogo (παιδαγωγός, de παίς: criança + άγω: levar) significava “levar a criança”, sentido que o latim manteve com o verbo educar (educare, de ex: de, a partir de + ducere: levar, conduzir), que quer dizer “conduzir a partir de algo ou de alguém”. Ora, este lugar de onde se parte e para onde se conduz diz necessariamente respeito a toda a comunidade, como muito bem expressa o termo latino professor (de profiteor = declarar-se publicamente; confessar; prometer), que significa “aquele que professa uma doutrina com a qual publicamente se compromete”.
É esta dimensão comunitária que, do meu ponto de vista, é preciso recuperar na educação em Portugal, substituindo-a à estatizante visão marxista que, permanecendo no seio da nossa administração pública, reduz todas as questões a um mero conflito laboral. Como fazê-lo? É simples: transcendendo a questão laboral e reclamando autonomia para as escolas!
É por isso, já o disse, que o actual movimento de contestação é importante – porque transcendeu a questão laboral. Vamos ver, porém, quanto tempo dura. Porque, perdoem-me os genuinamente entusiasmados, é aqui que os professores e a ministra estão de acordo: habituados que estão a uma luta meramente laboral, não querem uma verdadeira autonomia das escolas.
Autonomia, de facto, não quer dizer independência, mas a capacidade de determinar-se a si próprio, tornando-se responsável perante aqueles com quem estabelece, dentro daquilo que em cada momento é possível, laços de dependência. É isto que devem ser as escolas: comunidades educativas autónomas responsáveis tanto perante as comunidades que as envolvem como perante a estrutura que representam.
Só quando os pais, os comerciantes, os industriais, as associações e as autarquias quiserem e puderem, sob proposta das direcções das escolas, colaborar com elas na determinação do futuro dos seus alunos - assim obrigando a um relacionamento completamente diferente entre a escola e ministério da educação -, poderá haver uma verdadeira avaliação das escolas. E só quando as escolas forem assim avaliadas poderão – e deverão – os seus professores ser também avaliados. Porque então os destinos dos alunos, dos professores e das escolas estarão ligados.
A questão não é, portanto, neste momento, objectiva, isto é, o início da mudança não passa pela promulgação de mais decretos, como a experiência nauseabundantemente prova! A questão é subjectiva, isto é, diz primordialmente respeito ao agente da mudança. Mas o agente da mudança terá de transcender o momentâneo agrupamento dos professores, caso contrário será rapidamente reconvertido a uma mera questão laboral. Desgraçadamente, as nossas famílias não intervêm consistentemente, os nossos agentes económicos não investem estruturadamente, as nossas associações não têm força e os nossos partidos não têm visão.
O que podemos, então, fazer? Pouco. Mas isso é o que próprio dos homens – e dos portugueses também! Libertemo-nos das saudades deturpadas dos actos heróicos de outrora e comecemos por mudar a escola dos nossos filhos, do nosso bairro, da nossa freguesia. Associemo-nos para encontrar formas de melhorar as suas instalações e o seu funcionamento. Peçamos então à sua direcção que a escola nos sirva melhor, de acordo com as nossas próprias necessidades – e não as de outros estatisticamente imaginados. Mostremos depois o seu exemplo para que se possa replicar. E exijamos sempre o direito de fazer tudo isto. Assim começará a mudança. Será lenta, é verdade, mas eficaz.

4 comentários:

Helena Forjaz disse...

Gonçalo, estando no todo em acordo consigo, não sou tão óptimista em relação à linearidade da solução.
Há muito que me parece que os professores em portugal, na sua maioria está claro, são uma espécie de agentes do engano. A maior parte é professor porque não arranjou outro emprego. A maior parte está de baixa psiquiátrica mais de metade do ano. A maior parte portanto , não nasceu com vocação para como diz e bem, professar uma doutrina com a qual publicamente se comprometa. Em meu entender, a maior parte não sabe mesmo o que é devoção, vocação ou doutrina. E é isto que eu gostava que se avaliasse. É nisto que aqueles que ensinam deveriam dar provas. Não é possivel passar saber se não o tivermos. Não é possivel passar o saber se não o sentirmos. E o grande problema começa antes deste mercado específico do ensino. Começa quando a estrutura económica e social não dá vasão a todos os que precisam de trabalhar num panorama diversificado. Ser professor em portugal passou a ser um recurso e não uma profissão. Neste cenário , aonde se deve começar a emendar?

Gonçalo Pistacchini Moita disse...

Helena, obrigado pelo comentário. Duas coisas, apenas. A primeira para dizer que, do meu ponto de vista, os problemas e as suas soluções não devem centrar-se nos professores. Eles não são um problema, tal como não são uma solução. A questão transcende-os: é comunitária! A solução, portanto, tem de ser encontrada pela comunidade. Melhor, por cada uma das comunidades que envolvem, ou devem envolver, cada uma das escolas.
A segunda decorre desta: a solução, simples, como no meu post disse, não é de todo linear. Sendo comunitária implica a relação e o compromisso com os outros, a qual, em Portugal, continua a ser muito difícil. Que o diga quem já participou em reuniões de alunos, em reuniões de pais, em assembleias de professores ou em assembleias de escolas...
Assentes nisto concordo em tudo consigo. O meu ponto, porém, é este: não pode pretender-se que a educação tenha por meta a autonomia dos alunos se ela própria não acontecer numa comunidade escolar autónoma.

Anónimo disse...

"A maior parte é professor porque não arranjou outro emprego. A maior parte está de baixa psiquiátrica mais de metade do ano."
São 143 mil professores, a maior parte significa portanto pelo menos mais de metade, ou seja mais de 71 mil e quinhentos professores que segundo esta senhora Helena Forjaz não conseguiu mais nada na vida para fazer ou está mais de metade do ano sem trabalhar. Nada é mais prejudicial do que este tipo de afirmações gratuitas, pouco sérias e sem qualquer conhecimento da realidade. Imaginemos que esta senhora é mãe, tem filhos e usa este tipo de registo nas suas conversas familiares.
Talvez pensar um bocadinho antes de pôr cá para fora tantas certezas!!
Inês Pecquet

Manuel Rocha disse...

Importa antes de mais valorizar no texto a ruptura que ensaia com as abordagens convencionadas.

Muitas vezes a forma como as questões são equacionadas, passam a fazer parte do problema e não da solução.

Importam por isso ensaios que, como este, procurem novas equações.