sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Olhar Vadio

No belo e consolador post que o Pedro Marta Santos escreveu na sua estreia na Geração de 60, arriscou uma afirmação que eu, à John Wayne, me apetece abater ao primeiro tiro. Por facilidade, e para não tropeçar na minha adjectiva e substantiva inépcia interpretativa, cito-o:
A beleza está para além da consciência - ela não necessita da percepção do observador para existir. As nuvens de gás de Andrómeda ou as estrelas de Cassiopeia são belas independentemente da existência humana.”
Sou franco, enquanto a coisa se mantiver entre as nuvens de Andrómeda e as estrelas de Cassiopeia, consinto e calo. Ainda há dias, e no embalo de um inominável Douro Boys (ó beleza! ó consolo!), notei o indiscreto olhar de Andrómeda vigiando o “decote ideológico” (Nelson Rodrigues, puro Nelsinho) de Cassiopeia. Nem piei.
Mas, ó Pedro MS, quando o vício nos arrasta para as fundas sombras em que tu e eu vivemos as nossas vidas (e que as nossas mulheres não nos leiam ou rumor escutem), que outra beleza é que há no plano venusiano de Keira Knightley emergindo das águas, que não seja o que lírica e loucamente lhe presta o meu olhar míope?
Tu sabes do que falo. Sem a minha consciência, sem a tua visão vadia saltitando de Detour para Naked Kiss, de Ava Gardner para Rebecca Romijn Stamos, não há arquitecto para tamanha beleza. Mas tem de haver. E não me venhas dizer que é, ou há, Ele. Também Ele, essa rosácea celestial e sangrenta, essa omnipotência cega e surda, é coisa nossa, ficcionada pelos árduos argumentistas que, da Biblia ao Corão, da Ilíada aos Upanishades, O cantaram de calvicórdio e alaúde.
Julgando ter percebido tudo o que escreveste, só me fica a roer uma dúvida: porque é que, como a taxa de inflação “nasce torta a doçaria de Guimarães”?

2 comentários:

Anónimo disse...

O Manuel, que julgo conhecer de maior nobreza cristã que os católicos encartados, pode desarmar o gatilho e afagar o coldre. Eu sei que, em tempos de proselitismo ateísta como o de Sam Harris em "O Fim da Fé" ou o do inamovível Richard Dawkins de "A Desilusão de Deus", o elogio à beleza para além (ou antes e depois) do logos e da consciência pode parecer operação apressada de "marine" espiritual. Não é. Deus como a suprema história de embalar da físico-química neuronal não serve para a mecânica ocasionalmente bela do Universo - amoral, brutal, irredutível. (nota de rapé: a concretizá-Lo - nunca senti essa necessidade - seria mais Uma Thurman e menos barba alva e rugas na testa).
Quanto às tortas, penitencio-me com doze vergastadas: as ditas de Guimarães - as melhores vendem-se no Toural - são um prodígio. A minha prosa é que era pobre.
Abraço do teu sargento Renault

Manuel S. Fonseca disse...

Pierrot le fou, mas o que é isto: "A minha prosa é que era pobre"? Fishing for cumpliments, ah! Vamos mas é a despachar com o próximo post. Sobre cinema, e uma coisa que deixe o David Thomson a roer-se de inveja.