segunda-feira, 28 de agosto de 2023

Contra o pequeno burguês VIII

 


No mundo em que nasci o pequeno burguês era visto como inferior e via-se como inferior. Foi o momento de glória da sua coerência. Hoje em dia diz que não há verdades e não tem identidade, o que quer dizer que só admite as falsas ou que vê como tais. O mundo em que eu nasci revoltava-me pela sua injustiça. Esse foi o meu erro. O mundo em que eles nasceram foi o da sua humilhação. Esse foi a origem das suas ilusões. Uma classe que passa a dominante por inadvertência, que descobre que a sua verdade é a de não a ter, e de ontologia apenas ter uma coxa antes suscitava-me a comiseração e algum constrangimento. Depois de ter conhecido o mundo à sua imagem percebi que dele fui expulso para ninguém em compensação entrar. É um mundo do vazio, que se compraz em anunciar o seu vazio e absurdo, agora não como uma fatalidade, mas como uma pena para quem dele não participa.

A finalidade era a de integrar todos e eu fui excluído. E a vontade de integrar aplica-se apenas a um estranho tipificado, a um exótico definido por guias turísticos. Seja. Porém, o resultado é um mundo em que o primeiro que se sente estranho é o pequeno burguês. Faz mesmo propaganda disto nas universidades de que se apossou. Ninguém está na sua terra. Os antigos senhores que já não existem, os exóticos que existem apenas na sua imaginação e os próprios pequenos burgueses que se sentem sem substância, sem essência, sem existir. No mundo que construíram só há estranhos, não há esperança e apenas ilusão. É o que o pequeno burguês ensina nas faculdades sobre o mundo. Apenas se esquece de dizer que fala do mundo sim, mas do que criou. Sem grandeza, sem verdade, sem ambição.

Podem julgar que insulto gratuitamente o pequeno burguês. Mas bem pelo contrário. Apenas faço compilação. Mera suma. Do que ele diz sobre o mundo, ou seja, sobre si mesmo. A artimanha do pequeno burguês é praticar o insulto e partir do princípio de que não percebemos que só pode ser a ele que se refere. Como em massa se dirige a pequenos burgueses, a estratégia funciona e deixa todos felizes, na medida que o possam ser. Sintetizá-lo, algo que o assusta. Fazer-lhe justiça, o que para ele é inesperado. Mostrar na sua nudez a sua essência, o que ele não deseja. Mas façamos-lhe jus. Ou seja, oponhamo-nos e insultemos. Mostremos-lhe que o mundo que nos apresenta é apenas um espelho, e até nisso é trivial.

Gostava de me despedir do pequeno burguês. Sem ressentimento. Mas em boa verdade já sem comiseração. E sem interesse. Mas não tem morada, nem identidade, nem mesmo face. Acha que depois de morrer vai ser apenas um saco de flatulência e num resto de piedade tendo a dar-lhe razão. Os seus vários esfíncteres são indistinguíveis. O seu mundo não acaba no Juízo Final, nem num crepúsculo dos deuses ou num acorde final. O seu mundo começa e acaba da mesma forma. Num flato. Bendito seja, que me fez perder tempo. Leve, pois, os seus bons sentimentos e os seus direitos do homem para onde lhe der mais utilidade. O seu mundo sem grandeza tem o defeito de não ser microscópico. E já com ele gastei mais poesia do que era de seu merecimento.

 

 

Alexandre Brandão da Veiga

 

 

 

 

 

 

 

 

1 comentários:

Anónimo disse...

O espelho reflecte que o pequeno burguês imitando o pequeno aristocrata deixa o mundo impossível com tamanha densidade/quantidade de inutilidade!