Contra o pequeno burguês VII
O pequeno burguês é sempre «pós» qualquer coisa. Pós-moderno,
pós-crítico, pós-estruturalista, pós-cristão. Com «pós» significa que vem
depois de um mundo com uma identidade que não sabe definir - não acredita em
essências afinal - e para justificar o mundo em que vive tem de mostrar como
era má essa identidade. Não percebe - mas o que percebe ele? - que a designação
de «pós» é a confissão de um beco sem saída. Depois do «pós» o que poderá vir? O
«pós-pós»? Esta concepção do futuro mostra que não vê futuro, que é o burguês
sem esperança. Chama-se de «pós» na ânsia de não haver um «pós» que após ele o
negue. Tudo nele é confissão contrariada. Diz-se vindo do nada, apenas aceita
um mundo feito do instante sem substância, e cria teorias cuja condição é não
ter futuro. Por isso abdica do tempo, da realidade e da carnalidade. Prefere os
direitos humanos e a tolerância, embora negue as essências e portanto também a
humana e já não sabe o que mais há-de tolerar.
Está habituado ao escárnio. Do nobre pelo seu reles
nascimento, do burguês pelos seus fracos feitos, do proletário pela presunção
de se elevar acima de si. Esse escárnio antigo é-lhe insuportável, porque
substantivo. Mas, eterno saudoso do escárnio, prefere ser gozado pelo miserável
do terceiro mundo que não respeita as ordens de expulsão que os Estados pequeno
burgueses emitem, lhe come os subsídios. O que é lixo para os Estados
subdesenvolvidos e corruptos é para ele uma oportunidade de futuro. O mesmo em
que não acredita. O futuro, desde que seja dos outros, é prometedor. O escárnio,
desde que seja de nova fonte, é refrescante. Ele, que não acredita em
identidade salvo a dos outros está condenado pela sua natureza em nada a mudar.
De chacota da sua raça torna-se chacota das outras. E assim se sente em casa.
Espantam-se uns que nesta época haja tanto livro hermético, com
uma linguagem arrevesada, definições contra o costume, línguas novas criadas
para iniciados. Nenhum espanto pode haver. O pensamento sempre foi opaco para o
pequeno burguês, por isso para ele produzir pensamento não é desvelar, tornar
claro e evidente. É bem pelo contrário tornar opaco. Só a opacidade lhe cheira
a pensamento. Por isso, se é pretensioso na sua linguagem, ao mesmo tempo está
a ser sincero, a seguir a sua natureza, mais uma vez. Se ele percebesse, se ele
fizesse perceber, não seria para ele pensamento. O seu estilo barroco e cheio
de pretensões é apenas sinal da sua essência. É novo-rico. Ou peca por
sobreabundância ou por escassez. Ninguém em casa lhe ensinou o sentido das
proporções, e vai para a escola aprender com outros novos-ricos que proporções
é coisa que não existe.
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