quinta-feira, 24 de agosto de 2023

Contra o pequeno burguês VII

 


 

O pequeno burguês é sempre «pós» qualquer coisa. Pós-moderno, pós-crítico, pós-estruturalista, pós-cristão. Com «pós» significa que vem depois de um mundo com uma identidade que não sabe definir - não acredita em essências afinal - e para justificar o mundo em que vive tem de mostrar como era má essa identidade. Não percebe - mas o que percebe ele? - que a designação de «pós» é a confissão de um beco sem saída. Depois do «pós» o que poderá vir? O «pós-pós»? Esta concepção do futuro mostra que não vê futuro, que é o burguês sem esperança. Chama-se de «pós» na ânsia de não haver um «pós» que após ele o negue. Tudo nele é confissão contrariada. Diz-se vindo do nada, apenas aceita um mundo feito do instante sem substância, e cria teorias cuja condição é não ter futuro. Por isso abdica do tempo, da realidade e da carnalidade. Prefere os direitos humanos e a tolerância, embora negue as essências e portanto também a humana e já não sabe o que mais há-de tolerar.

Está habituado ao escárnio. Do nobre pelo seu reles nascimento, do burguês pelos seus fracos feitos, do proletário pela presunção de se elevar acima de si. Esse escárnio antigo é-lhe insuportável, porque substantivo. Mas, eterno saudoso do escárnio, prefere ser gozado pelo miserável do terceiro mundo que não respeita as ordens de expulsão que os Estados pequeno burgueses emitem, lhe come os subsídios. O que é lixo para os Estados subdesenvolvidos e corruptos é para ele uma oportunidade de futuro. O mesmo em que não acredita. O futuro, desde que seja dos outros, é prometedor. O escárnio, desde que seja de nova fonte, é refrescante. Ele, que não acredita em identidade salvo a dos outros está condenado pela sua natureza em nada a mudar. De chacota da sua raça torna-se chacota das outras. E assim se sente em casa.

Espantam-se uns que nesta época haja tanto livro hermético, com uma linguagem arrevesada, definições contra o costume, línguas novas criadas para iniciados. Nenhum espanto pode haver. O pensamento sempre foi opaco para o pequeno burguês, por isso para ele produzir pensamento não é desvelar, tornar claro e evidente. É bem pelo contrário tornar opaco. Só a opacidade lhe cheira a pensamento. Por isso, se é pretensioso na sua linguagem, ao mesmo tempo está a ser sincero, a seguir a sua natureza, mais uma vez. Se ele percebesse, se ele fizesse perceber, não seria para ele pensamento. O seu estilo barroco e cheio de pretensões é apenas sinal da sua essência. É novo-rico. Ou peca por sobreabundância ou por escassez. Ninguém em casa lhe ensinou o sentido das proporções, e vai para a escola aprender com outros novos-ricos que proporções é coisa que não existe.



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