Pobreza da literatura IV
Vejamos agora as fontes.
Estão estas a alargar? Também me parece que não. Dante, Camões, Ariosto, Tasso incorporaram
verdadeiras enciclopédias na sua obras. De modo diverso, Goethe e Mann faziam o
mesmo. Não são enciclopédias, mas pressupõem-nas e transcendem-nas. Que sabe o escritor
hoje em dia?
De ciência tipicamente não
sabe nada. Nada de matemática, nada de física, salvo por livros de divulgação e
mal lidos. De química quase não ouviu falar. de biologia queda-se pela curiosidade,
na melhor das hipóteses pela erudição taxonómica em geral e mais frequentemente
por enunciações de teorias gerais lidas com pressa. Geralmente Darwin, lido
através de outros.
De filosofia vemos serem
lidos sempre os mesmos. Duzentos anos de filosofia, os últimos, e pouco mais.
Para dar um cheiro exótico, alguns gregos, talvez, por vezes chega-se ao século
XVII. De filosofia tardo-antiga ou medieval mal ouviu falar, mas está pronto
para dizer mal da segunda sem a ter lido e ter um olhar simpático em relação à
primeira caso lhe indiquem que é a boa atitude a ter.
De História, o seu mundo
reduz-se a uns trezentos anos, quando se pode chamar de erudito. De cultura europeia
tipicamente sabe a cartilha escolar e quanto às outras tende a dar uma espreitadela
a uma que lhe parece mesmo exótica e fica-se pelo mediático. Os banhos turcos,
uns tópicos chineses, por vezes umas palavras estranhas indianas. De sassânidas
e partos nunca ouviu falar, dos sogdianos nem pensar, eslavo é nome de doença para
ele.
Campos de cultura estreitos,
épocas estreitas, espaço geográfico estreito.
Façamos o balanço: a
forma estreita-se. O escritor cada vez mais raramente sabe de linguística ou
das técnicas literárias, da velha e nova retórica, da teoria da literatura.
Desta tende a saber mais, sobretudo quando é uma teoria fácil e cansada, sem grande
técnica. Os termos estreitam, evanescendo na sua diversidade. As fontes são
curtas, porque a cultura dos escritores é curta.
A literatura é feita à
imagem do soberano e do herói da época. O herói já foi o aristocrata, o monge,
o proletário. Hoje em dia a literatura é feita para pequenos burgueses e é
feita por pequenos burgueses. O seu projecto é destruir a grandeza, o fôlego e
o espaço. Mas, como sabe que a grandeza existe, tem duas estratégias: ou a nega
ou arroga-se dela. Bem sabendo que dela não frui porque se é gente é porque
esta foi negada.
A pobreza da literatura reflecte
a pobreza das ambições. O pequeno burguês impõe ao mundo a sua pequenez, as
suas alergias e a sua estreiteza. Se a literatura estreita é porque é feita à imagem
e semelhança de quem a faz. Glorifica-se, já que mais ninguém o faz. Mas
condena-se pelas suas próprias premissas a estreitar cada vez mais.
Alexandre Brandão da
Veiga
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