segunda-feira, 9 de julho de 2018

Pobreza da literatura IV






Vejamos agora as fontes. Estão estas a alargar? Também me parece que não. Dante, Camões, Ariosto, Tasso incorporaram verdadeiras enciclopédias na sua obras. De modo diverso, Goethe e Mann faziam o mesmo. Não são enciclopédias, mas pressupõem-nas e transcendem-nas. Que sabe o escritor hoje em dia?

De ciência tipicamente não sabe nada. Nada de matemática, nada de física, salvo por livros de divulgação e mal lidos. De química quase não ouviu falar. de biologia queda-se pela curiosidade, na melhor das hipóteses pela erudição taxonómica em geral e mais frequentemente por enunciações de teorias gerais lidas com pressa. Geralmente Darwin, lido através de outros.

De filosofia vemos serem lidos sempre os mesmos. Duzentos anos de filosofia, os últimos, e pouco mais. Para dar um cheiro exótico, alguns gregos, talvez, por vezes chega-se ao século XVII. De filosofia tardo-antiga ou medieval mal ouviu falar, mas está pronto para dizer mal da segunda sem a ter lido e ter um olhar simpático em relação à primeira caso lhe indiquem que é a boa atitude a ter.

De História, o seu mundo reduz-se a uns trezentos anos, quando se pode chamar de erudito. De cultura europeia tipicamente sabe a cartilha escolar e quanto às outras tende a dar uma espreitadela a uma que lhe parece mesmo exótica e fica-se pelo mediático. Os banhos turcos, uns tópicos chineses, por vezes umas palavras estranhas indianas. De sassânidas e partos nunca ouviu falar, dos sogdianos nem pensar, eslavo é nome de doença para ele.

Campos de cultura estreitos, épocas estreitas, espaço geográfico estreito.

Façamos o balanço: a forma estreita-se. O escritor cada vez mais raramente sabe de linguística ou das técnicas literárias, da velha e nova retórica, da teoria da literatura. Desta tende a saber mais, sobretudo quando é uma teoria fácil e cansada, sem grande técnica. Os termos estreitam, evanescendo na sua diversidade. As fontes são curtas, porque a cultura dos escritores é curta.

A literatura é feita à imagem do soberano e do herói da época. O herói já foi o aristocrata, o monge, o proletário. Hoje em dia a literatura é feita para pequenos burgueses e é feita por pequenos burgueses. O seu projecto é destruir a grandeza, o fôlego e o espaço. Mas, como sabe que a grandeza existe, tem duas estratégias: ou a nega ou arroga-se dela. Bem sabendo que dela não frui porque se é gente é porque esta foi negada.

A pobreza da literatura reflecte a pobreza das ambições. O pequeno burguês impõe ao mundo a sua pequenez, as suas alergias e a sua estreiteza. Se a literatura estreita é porque é feita à imagem e semelhança de quem a faz. Glorifica-se, já que mais ninguém o faz. Mas condena-se pelas suas próprias premissas a estreitar cada vez mais.



Alexandre Brandão da Veiga


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