quarta-feira, 6 de agosto de 2008

A Primeira Vez Que Vi Paris

Souci de connaissance
A primeira vez que vi Paris fiquei com os olhos rasos de água. Tinha acabado de tirar os olhos de Lisboa e começava a ver o que a vida tinha para me dar.
O avião sobrevoou a cidade e vi, lá de cima, o Sena apertado à esquerda e à direita, como vi a Torre Eifel a levantar-se, com estatura cartesiana, uma espécie de “cogito” urbano como não há em mais lado nenhum, a não ser em Nova Iorque onde os franceses plantaram, como “ersatz”, a Estátua da Liberdade.
Sei bem que a França não está na moda. Na moda tem estado, e julgo que ainda está, dizer que os franceses são arrogantes e os parisienses insuportáveis. Mas nesse dia, em que pela primeira vez vi Paris com olhar cândido e souci de connaissance, encontrei o meu par.
A minha França começara, quase por acaso, quando (terá sido em 1962?) o meu pai trouxe, do porto de Luanda, uns discos abandonados, 45 rpm, de Jean Ferrat, um crooner (ou um poeta-autor?) que me fez ouvir a estranha música de uma das mais belas línguas que conheço. Depois, um bom bocado depois, sozinho ou com ajudas, peguei de frente e de cernelha, os poetas, de Rimbaud a Éluard, de Baudelaire a René Char.
Antes, a França já tinha sido o meu passe-partout para atravessar a alegre tristeza da adolescência. Foi o meu yé-yé, com o Michel Polnareff da poupée qui fait non, foi o meu sonho do baile de sábado à noite em que Sylvie Vartan era la plus belle pour aller danser. Eu, que vivia em África, delirava com o Tour de France em que Jacques Anquetil invariavelmente esmagava Raymond Poulidor (o mais injustiçado dos ciclistas).
A primeira vez que vi Paris, deixei-me ficar. Tinha um quarto na Rue du Bac, no 6eme, entre a rue de Grenelle e o boulevard Saint Germain. Margem esquerda, a que me ficou no coração, mas a que hoje, aprendida a lição de Truffaut, sou infidelíssimo. Descobri, da Opéra à Madeleine, de Pigalle a Montmartre, a sensualidade da direita, a que me entrego com volúpia baudelairiana.
Não sei se a França de que continuo a gostar, por tanto a ter antes amado, ainda existe. Era, essa França que primeiro amei, a mesma França com que Hollywood sonhou quando fez “An American in Paris” ou “The Last Time I Saw Paris”. Elegante, generosa e cosmopolita. Luminosa e vã. Tenho a vaidade de pensar que lhe devo a minha eduação sentimental.

5 comentários:

Táxi Pluvioso disse...

Bom, só me lembro da primeira vez que vi o rabo da Brigitte.

Manuel S. Fonseca disse...

Taxi, cada um se lembra do que pode. Mas não me parece que te possas queixar

andrea disse...

Carissimo Manuel.
Que sorte a tua entrar por Paris atraves de um quarto no 6eme.Entretanto ao ler o teu post e com as referencias ao Polnaref e a Vartin la me veio a memoria os dias e as noites da Luanda da minha juventude.Mas claro são memorias de momentos irrecuperaveis, tal como as tuas de Paris, porque vividas por olhos e em momentos que não voltam.
O mais que podem é ser revisitadas, Luanda dificilmente, Paris sempre porque o Sena, que eu tenha dado por isso,ainda não secou.
E para quando um pichet de Beaujolais nouveau no Café des Deux Magots?
Talvez Sartre ou a Simonne ainda por la andem.
Abraços.
RA.
Abraços.

JP Guimarães disse...

Caro Manuel, começo por saudar a magnifica resposta ao Taxi (de facto não se pode queixar). Quanto a Paris, a certa altura da vida vendi um Peugeot que tinha e "mandei-me" para lá. Fui ter com uns amigos que (já) dividiam um apartamento na Rue Moliére (transversal da Av. de l'Opera) e lá fiquei dois meses e meio. Uma maravilha! Subiamos ao telhado do prédio com uma garrafa de vinho e bebiamos à saúde da Paris que viamos aos nossos pés. A vizinha do lado, Pauline, juntava-se a nós para organizar festas onde parisienses e estrangeiros brindavam à sorte dos tempos que então viviam. Não fora o facto de sermos todos absolutamente banais podia dizer-se que nos sentiamos (um pouco) como personagens da Moveable Feast, do Hemingway. Enquanto por cá andar (pela vida) não me vou esquecer. Mais, vou lembrar com muita saudade.

Manuel S. Fonseca disse...

RA, a ver se em breve bebemos juntos o Beaujolais. Mas eu preferia que fosse lá para cima, nas ruas perto do Sacré Coeur.
JP, bela vida. Com memórias dessas, venha de lá um post que os outros co-bloggers estão em férias decadentes, em resorts de luxo.
Ah e o Taxi, para além do certeiro olhar para o derrière da Bardot, tem um blog muito singular, o Pratinho de Couratos, para o qual há link no nosso "G de 60".