A Primeira Vez Que Vi Paris
Souci de connaissance
A primeira vez que vi Paris fiquei com os olhos rasos de água. Tinha acabado de tirar os olhos de Lisboa e começava a ver o que a vida tinha para me dar.
O avião sobrevoou a cidade e vi, lá de cima, o Sena apertado à esquerda e à direita, como vi a Torre Eifel a levantar-se, com estatura cartesiana, uma espécie de “cogito” urbano como não há em mais lado nenhum, a não ser em Nova Iorque onde os franceses plantaram, como “ersatz”, a Estátua da Liberdade.
Sei bem que a França não está na moda. Na moda tem estado, e julgo que ainda está, dizer que os franceses são arrogantes e os parisienses insuportáveis. Mas nesse dia, em que pela primeira vez vi Paris com olhar cândido e souci de connaissance, encontrei o meu par.
A minha França começara, quase por acaso, quando (terá sido em 1962?) o meu pai trouxe, do porto de Luanda, uns discos abandonados, 45 rpm, de Jean Ferrat, um crooner (ou um poeta-autor?) que me fez ouvir a estranha música de uma das mais belas línguas que conheço. Depois, um bom bocado depois, sozinho ou com ajudas, peguei de frente e de cernelha, os poetas, de Rimbaud a Éluard, de Baudelaire a René Char.
Antes, a França já tinha sido o meu passe-partout para atravessar a alegre tristeza da adolescência. Foi o meu yé-yé, com o Michel Polnareff da poupée qui fait non, foi o meu sonho do baile de sábado à noite em que Sylvie Vartan era la plus belle pour aller danser. Eu, que vivia em África, delirava com o Tour de France em que Jacques Anquetil invariavelmente esmagava Raymond Poulidor (o mais injustiçado dos ciclistas).
A primeira vez que vi Paris, deixei-me ficar. Tinha um quarto na Rue du Bac, no 6eme, entre a rue de Grenelle e o boulevard Saint Germain. Margem esquerda, a que me ficou no coração, mas a que hoje, aprendida a lição de Truffaut, sou infidelíssimo. Descobri, da Opéra à Madeleine, de Pigalle a Montmartre, a sensualidade da direita, a que me entrego com volúpia baudelairiana.
Não sei se a França de que continuo a gostar, por tanto a ter antes amado, ainda existe. Era, essa França que primeiro amei, a mesma França com que Hollywood sonhou quando fez “An American in Paris” ou “The Last Time I Saw Paris”. Elegante, generosa e cosmopolita. Luminosa e vã. Tenho a vaidade de pensar que lhe devo a minha eduação sentimental.
5 comentários:
Bom, só me lembro da primeira vez que vi o rabo da Brigitte.
Taxi, cada um se lembra do que pode. Mas não me parece que te possas queixar
Carissimo Manuel.
Que sorte a tua entrar por Paris atraves de um quarto no 6eme.Entretanto ao ler o teu post e com as referencias ao Polnaref e a Vartin la me veio a memoria os dias e as noites da Luanda da minha juventude.Mas claro são memorias de momentos irrecuperaveis, tal como as tuas de Paris, porque vividas por olhos e em momentos que não voltam.
O mais que podem é ser revisitadas, Luanda dificilmente, Paris sempre porque o Sena, que eu tenha dado por isso,ainda não secou.
E para quando um pichet de Beaujolais nouveau no Café des Deux Magots?
Talvez Sartre ou a Simonne ainda por la andem.
Abraços.
RA.
Abraços.
Caro Manuel, começo por saudar a magnifica resposta ao Taxi (de facto não se pode queixar). Quanto a Paris, a certa altura da vida vendi um Peugeot que tinha e "mandei-me" para lá. Fui ter com uns amigos que (já) dividiam um apartamento na Rue Moliére (transversal da Av. de l'Opera) e lá fiquei dois meses e meio. Uma maravilha! Subiamos ao telhado do prédio com uma garrafa de vinho e bebiamos à saúde da Paris que viamos aos nossos pés. A vizinha do lado, Pauline, juntava-se a nós para organizar festas onde parisienses e estrangeiros brindavam à sorte dos tempos que então viviam. Não fora o facto de sermos todos absolutamente banais podia dizer-se que nos sentiamos (um pouco) como personagens da Moveable Feast, do Hemingway. Enquanto por cá andar (pela vida) não me vou esquecer. Mais, vou lembrar com muita saudade.
RA, a ver se em breve bebemos juntos o Beaujolais. Mas eu preferia que fosse lá para cima, nas ruas perto do Sacré Coeur.
JP, bela vida. Com memórias dessas, venha de lá um post que os outros co-bloggers estão em férias decadentes, em resorts de luxo.
Ah e o Taxi, para além do certeiro olhar para o derrière da Bardot, tem um blog muito singular, o Pratinho de Couratos, para o qual há link no nosso "G de 60".
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