segunda-feira, 7 de abril de 2008

Porque Lula errou na política social


Fernando Henrique Cardoso criou um programa de apoio à pobreza brasileira. Era um sistema muito inovador, baseado nas ideias de distribuição de rendimento de acordo com as necessidades. Uma espécie de rendimento social de inserção, mas que funcionava como um cartão multibanco onde, todos os meses, era carregada a soma que cabia a cada brasileiro pobre. Esse cartão tinha um nome: CARTÃO DO CIDADÃO. E esse cartão era multibanco mesmo – cada um podia levantar nos terminais a sua quantia, ou pagar directamente nos terminais das lojas. Critério do gasto? Não existia – e Fernando Henrique foi muito criticado por permitir, por exemplo, que todo esse dinheiro pudesse ser gasto em álcool, por exemplo.
Quando chegou o novo presidente Lula, prometendo focar esforços no combate à fome, o esquema mudou. Manteve-se o cartão, mas o nome não – agora chamava-se Cartão Fome Zero. Assim mesmo: fome zero. E existiam mais variantes: o dinheiro não podia ser levantado de uma caixa automática – ele só valia numa rede de lojas acreditadas que foi criada para este novo efeito. E mesmo nessas lojas o dinheiro do cartão não valia para tudo: bolachas de chocolate, por exemplo, não eram permitidas. O pensamento de Lula era claro – ele queria matar a fome dos brasileiros, não enchê-los de luxos como chocolate. Repare-se nos problemas.
Se é verdade que Fernando Henrique não protegeu os mais fracos (filhos de alcoólicos corriam riscos sérios de morrer na mesma à fome), deu um novo nome aos pobres brasileiros – cidadãos.
Lula, por seu lado, protegeu os mais fracos: mesmo um bêbado acabaria a usar o cartão para comprar comida autorizada, e por isso os menores ou idosos sem autonomia estavam protegidos. Mas aqueles pobres que o cartão de Fernando Henrique classificava de cidadãos, agora eram nomeados como gente com fome: esfomeados. Imagina-se o estigma social que isto lançou sobre as mesmas famílias – e até sobre todos esses menores que Lula imaginava proteger de pais irresponsáveis (eles agora crescem como meninos como fome, não como cidadãos.
Este é o drama da política social: quanto mais ideológica se torna, mais se perde em aplicações práticas que se verificam (depois) frágeis como copos de cristal.
Ninguém pode acusar Lula de não pensar nos pobres, ou Fernando Henrique de não procurar soluções – mas este texto permite acusá-los de não terem procurado a convergência de que se falava no primeiro ‘post’ (que bom esquerda e direita serem parecidas). Não são preocupações de eleitoralismo – são necessidades de eficácia. Porque a política social só funciona quando retira os pobres da pobreza – até lá é conversa de café..

2 comentários:

Anónimo disse...

Precisamente. Estive aqui a ver se encontrava números na Internet - pois esses é que são o verdadeiro escudo contra a ideologia - e não encontrei nada de definitivo nos 10 minutos que dediquei à tarefa. Aliás, encontrei algo que diz que os resultados dos 2 presidentes são mistos, mos os dados vão só até 2005 (o Lula está lá desde 2003). Nota: pode-se dizer que o Lula reduziu a pobreza e ainda assim não se gostar dele, ou do discurso dele (ou vice-versa).
http://devdata.worldbank.org/idg/IDGProfile.asp?CCODE=BRA&CNAME=Brazil&SelectedCountry=BRA

João Manuel Vicente disse...

Parece-me que para quem receba o que antes nunca recebeu e que de outra forma nunca lograria receber, pouco importa a designação...

Importante mesmo, retomando a velha imagem do pescador com a cana e daquele que se limita a comer o peixe, seria saber se a par de uma política pró-subsistencialista se promoveu ou não uma política virada à qualificação e à real melhoria das valências individuais..

Ora, ao que creio, nas duas Presidências Lula, têm sido efectivamente aplicados outros programas que têm tido uma ampla adesão das populações e que respeitam precisamente à educação e à formação..

Não esquecer que "barriga vazia" não aprende nem progride e que "first things first"..