Amazonas e Cow-Boys
Pela graça que acho ao que leio aqui, acabei enredado numa teia de cumplicidades que me fez acabar aqui, num novo site, onde 7 cow-boys escrevem, um por dia, sobre coisas de homens. Às terças, disparo eu. O Pnet Homem, assim se chama o site, tem um o seu correlato objectivo, como diria Eliot, aqui, no Pnet Mulher onde 7 amazonas discorrem sobre o dito, e se calhar mal digo eu, eterno feminino. Estão os dois, a partir de agora, abertos ao excelentíssimo público. Apareçam e comentem.
Andamos em ensaios há uns dias e apeteceu-me começar assim:
Uma Solidão de Joana D’Arc
Das pontes que sobrevoam o Sena, a Alexandre III é a minha favorita. Não admira: beirão e camponês, com duas décadas de trópicos, para mim tudo o que brilha é ouro. Há dias, lia os jornais franceses. Os desenjoativos Monde e Figaro. Percebi que, à lenda dos 107 metros de comprimento desta ponte dourada que homenageia o czar de que herdou o nome, se vai acrescentar agora o mistério e a certeza da morte de uma princesa africana.
Katoucha Niane, nascida em Conacry, brilhou, a ébano, seda e ouro, nos desfiles de moda dos anos 80. E mesmo eu, que sou resolutamente um homem sem virtudes, arrogo-me a capacidade e a imodéstia de lhe admirar a beleza. Katoucha tinha uma beleza prodigiosa. Real. Foi a musa inspiradora de Yves Saint-Laurent. Desaparecida no primeiro dia de Fevereiro, o seu corpo lindo e longilíneo apareceu a flutuar nas águas do Sena, no que deveria ter sido, não fora ser o ano bissexto, o último dia desse mês cinzento e frio.
A que propósito vem o obituário, e logo subscrito por quem vos prometeu boa vizinhança e um destemperado optimismo? Há um patético na ocorrência que toca a minha, e julgo que a vossa, masculinidade. Katoucha – essa mulher deslumbrante que aos 9 anos foi vítima de excisão – vivia sozinha num barco de luxo, ancorado num cais junto à ponte que à noite é iluminada por 14 candelabros de bronze. Terá, por acidente, caído ao leito gelado do rio que não divide Paris. Não havia ninguém com ela, ninguém no rio, ninguém na ponte Alexandre III.
A solidão de Katoucha é o clamoroso anúncio do fracasso de todos os homens. Além de bela, era uma mulher inteligente, com personalidade forte. E deitava-se sozinha, num barco sumptuoso, em cima da palpitante cama de água que é o Sena.
Quero crer que vivemos um tempo de arrefecimento afectivo global. Em Paris, milhões de homens atarefados em jogos improváveis e, como diria o cronista Nelson Rodrigues se fosse vivo, “ela ali, erecta, numa solidão de Joana d’Arc”. Cabe-nos a todos nós, homens, uma fatia da culpa da solidão que afogou esta mulher.
Andamos em ensaios há uns dias e apeteceu-me começar assim:
Uma Solidão de Joana D’Arc
Das pontes que sobrevoam o Sena, a Alexandre III é a minha favorita. Não admira: beirão e camponês, com duas décadas de trópicos, para mim tudo o que brilha é ouro. Há dias, lia os jornais franceses. Os desenjoativos Monde e Figaro. Percebi que, à lenda dos 107 metros de comprimento desta ponte dourada que homenageia o czar de que herdou o nome, se vai acrescentar agora o mistério e a certeza da morte de uma princesa africana.
Katoucha Niane, nascida em Conacry, brilhou, a ébano, seda e ouro, nos desfiles de moda dos anos 80. E mesmo eu, que sou resolutamente um homem sem virtudes, arrogo-me a capacidade e a imodéstia de lhe admirar a beleza. Katoucha tinha uma beleza prodigiosa. Real. Foi a musa inspiradora de Yves Saint-Laurent. Desaparecida no primeiro dia de Fevereiro, o seu corpo lindo e longilíneo apareceu a flutuar nas águas do Sena, no que deveria ter sido, não fora ser o ano bissexto, o último dia desse mês cinzento e frio.
A que propósito vem o obituário, e logo subscrito por quem vos prometeu boa vizinhança e um destemperado optimismo? Há um patético na ocorrência que toca a minha, e julgo que a vossa, masculinidade. Katoucha – essa mulher deslumbrante que aos 9 anos foi vítima de excisão – vivia sozinha num barco de luxo, ancorado num cais junto à ponte que à noite é iluminada por 14 candelabros de bronze. Terá, por acidente, caído ao leito gelado do rio que não divide Paris. Não havia ninguém com ela, ninguém no rio, ninguém na ponte Alexandre III.
A solidão de Katoucha é o clamoroso anúncio do fracasso de todos os homens. Além de bela, era uma mulher inteligente, com personalidade forte. E deitava-se sozinha, num barco sumptuoso, em cima da palpitante cama de água que é o Sena.
Quero crer que vivemos um tempo de arrefecimento afectivo global. Em Paris, milhões de homens atarefados em jogos improváveis e, como diria o cronista Nelson Rodrigues se fosse vivo, “ela ali, erecta, numa solidão de Joana d’Arc”. Cabe-nos a todos nós, homens, uma fatia da culpa da solidão que afogou esta mulher.
Katoucha habitava sobre as águas, ela que nem sabia nadar.
3 comentários:
A culpa é inteiramente dela. Então não lhe bastava ser bela? O que é que lhe deu para ser inteligente? E para ter uma personalidade? E ainda por cima forte? Ainda se fosse só estupidamente bela...
Sofia, eu avisei: cowboys a escrever sobre coisas de homens. Um dia, Vinicius montou um circo com Toquinho e convidaram Marilia Medalha para os acompanhar no que viria a ser o fantástico disco “Como Dizia o Poeta”. Nestes termos: “Concertámos em que a cantora que levaríamos seria nossa querida Marília Medalha, uma intérprete sem qualquer espécie de vedetismo e, além do mais, uma mulher fora-de-série, digna, leal, corajosa quanto as que mais o sejam”.
É por mulheres assim, estupidamente belas ou inteligentemente feias quanto as que mais o sejam, que um homem deve lançar-se às águas de qualquer rio. Mesmo que não saiba nadar. Para as salvarmos ou para que nos salvem de nós próprios? Como diria Vinicius: “Você decide!”
Manuel: eu escrevi com mal disfarçada tristeza sobre a sorte dessa rapariga. Talvez o sarcasmo não me assente bem. A mulher bela, desprovida de inteligência, é tratada como objecto. Se todavia aliar à beleza a inteligência, é um sujeito. E geralmente um sujeito a quem se atribui apenas a capacidade de fazer o mal. E porquê? porque consciente da sua beleza, a usa - contra os homens. Exemplos: De Messalina, a Dalila, passando pelas heroínas dos filmes negros tão do nosso agrado. É por isso que entendo que uma mulher que ousa ser sujeito, ao invés de se bastar com a condição de objecto, é uma desafiadora da ordem estabelecida: amedronta os homens e suscita inveja nas mulheres.Dito isto digo, como o poeta, "que me desculpem as feias, mas beleza é fundamental!". Digo ainda mais, para horror de intelectuais ( homens e mulheres) sou apreciadora da beleza despudorada de sul-americanos e africanos, toda feita de cor, peso e diversidade, tão contrária aos cânones vigentes.
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