Ainda o Problema da Educação Nacional
«Os Homens nascem para serem livres, vários e ociosos», escreveu Orlando Vitorino, naquele tão característico poder de iluminante provocação como só mesmo o autor de «A Refutação da Filosofia Triunfante» era capaz de fazer.
Paulo Catrica, do livro «Os Liceus», 2005
Nascidos os Homens para «serem livres, vários e ociosos», significa antes de mais, nascidos não serem para funcionários públicos ou da vida, como nos dias de hoje parece ser a única finalidade para a Educação que ocorre à mente dos nossos muito ilustres governantes.
Mas se isso sucede, só sucede também porque sucede ninguém se ter oposto com a veemência necessária para acabar de vez com o Ministério da Educação e, persistindo este, persistindo neste erro, persistirão todos os perversos equívocos actuais no que à Educação respeita.
Prorrogativas do Estado são o Poder Legislativo, o Poder Executivo e o Poder Judicial. Em parte alguma se dirá constituir-se como prorrogativa do Estado o Poder Educativo, a não ser, como é evidente, em Estados Totalitários ou de cariz totalitarizantes, como se verifica na actualidade com o Regime Socialista que, de todos fazendo meros servos, nos subjuga e esmaga até ao limiar da mais pura escravidão.
Escusadas, aqui, subtilezas de distinção entre Educação e Instrução, admitindo ainda a possível e eventual de existência de um Ministério da Instrução mas nunca de um Ministério da Educação, porque, na confusão mental de hoje, acima de tudo quanto parece suceder é serem já muito poucos, se alguém ainda há, de quantos com responsabilidades políticas que preparados estejam para compreender tais subtilezas.
Tal, porém, não sucede por mero acaso mas por bem sucedido desígnio iniciado com a Reforma da Universidade efectuada pelo famigerado Marquês de Pombal, tendo em vista não apenas a expulsão do «abominável» Aristóteles de todo o Ensino mas separar a Educação de toda a mais verdadeira Tradição Nacional, de modo a impor um Iluminismo de cariz Maçónico, i.e., um abstracto universalismo em completa contradição com a individualidade nacional, destruir a seu belo prazer a velha aristocracia, que odiava, reorganizar a «sociedade» e formar um novo «escol» de dirigentes obedientes às novas Luzes e aos seus arbitrários desvarios.
À Universidade Iluminista seguiu-se a Universidade Positivista, substituída mais tarde pela Universidade Marxista até terminar no caos em que nos encontramos, uma mescla esquizofrénica de Pragmatismo Utilitarista, venerando e exaltando, em simultâneo, Marx, Freud e Nietzsche. E sendo o Ensino, ou o agora designado Sistema de Educação, o que a Universidade for, percebe-se facilmente como e porquê viemos a aportar à loucura actual.
Não por acaso, repetimos. Se hoje se diz que importamos o Modelo Finlandês, Sueco ou seja lá o que for, tampouco alguma relevância tudo isso tem a não ser manter-se, em essência, o mesmo disparate e um mesmo tenebroso propósito e desígnio: a imbecilização dos portugueses e a destruição de Portugal.
Hoje, nestes dias de induzida ignorância activa, defender a extinção do Ministério da Educação, pode soar, como é natural em tais circunstâncias, não apenas estranho, ideia peregrina, mas até a ultraje. No entanto, já em finais de Séc. XIX, escrevia Ferreira Deusdado: «A educação do Estado não pode fazer nem bons mestres nem bons sacerdotes. Pode todavia fazer bons soldados como outrora fez a dura e despótica república da Lacedemónia, e pode fazer legiões de livres pensadores, educando-os no fanatismo anti-religioso, como está fazendo hodiernamente a tirânica e dissolvente república francesa. A educação religiosa, a educação moral e ainda o ensino geral intelectivo pertencem aos pais, é um direito sagrado do pátrio poder... Nós, povos latinos, arvoramos deploravelmente o Estado em panaceia, crendo-o atalaia da vida contra as hostilidades da morte. Em matéria ensinante, ao Estado pertence unicamente o ensino profissional ou técnico, como as escolas de guerra, marinha, etc., que não influem na íntima formação moral do homem.»
Ferreira Deusdado, uma figura hoje completamente esquecida como, uma vez mais, não por acaso, sucede a todos quantos representam a verdadeira tradição nacional, escreve ainda no seu artigo «Ensino Livre Perante o Estado», na Revista de Ensino e Educação, em 1886: «A moral sem religião é uma quimera; ora, o ensino da moral, ministrado pelo Estado, não pode, segundo publicista modernos, ser religioso, porque então fere a liberdade de consciência dos ateus e dos que professam uma fé diferente da do Estado», interrogando, a determinado passo, «Qual o fim dum governo inteligente em matéria de instrução pública? É educar o povo para que por si próprio se vá habituando a esperar tudo da sua iniciativa e não do poder central».
Mais de um século transcorrido e as mesmas palavras ainda hoje se aplicam, ipsis verbis, à questão da Educação _ afinal, os erros do passado persistem tanto quanto persistem os mesmos nefastos propósitos de escravização dos povos. Em nome da quimérica, ateísta e criminosa igualdade, uma mesma Educação para todos, para todos tornar em transformar em venerandos e obrigados servidores de um mesmo omnipotente Estado.
Hoje, em certos aspectos, a situação afigura-se mais difícil. Hoje não há já um Leonardo Coimbra como Deputado e sabemos não apenas improvável mas completamente impossível ouvir um discurso, como o pronunciado em 1919 sobre «A Questão Universitária», onde, depois de discorrer e demonstrar a traição da Universidade perante o heroísmo dos soldados portugueses combatentes da Grande Guerra, afirma: «A Universidade falhou nesse momento porque não a animava um nobre espírito de liberdade, uma lúcida compreensão humana da grande experiência de dor e amor que se ia fazendo. Um nobre espírito de liberdade, disse eu. Sim. Essa capacidade de quebrar a coesão psíquica de sentimentos e ideias, de aproximar com originalidade ideias, sentimentos afastados, é a melhor parte da liberdade».
Paulo Catrica, do livro «Os Liceus», 2005
Hoje, que noção terão os senhores deputados da liberdade quando aceitam, sem pestanejar, a indignidade da «disciplina de voto»? Por certo, nenhum. Mas Leonardo, o grande Leonardo, um verdadeiro português, um verdadeiro homem livre, continuava: «As Universidades serão, pois, os templos da liberdade; mas templos de um deus vivo e criador, diligente e alerta, como imenso coração oculto continuamente animando a imensidade dos seres e dos mundos, Esta liberdade não é a faculdade de ensinar todas as doutrinas e deixar contestar todas as afirmações, como gravissimamente errando disse um senhor deputado nesta câmara... Essa falsa liberdade é simplesmente uma caricatural inversão da verdadeira liberdade. Fazer uma discussão em torno de habilidades é simplesmente esquecer que o alimento espiritual da liberdade é a procura da verdade e não da simples vitória verbalista». E terminava, rematando de forma eloquente: «Senhor Presidente: - O homem, que tem sede, precisa de saber onde as fontes de mais fresca e límpida água; o político carece de saber que só vale pelo quanto seja representativo do seu povo, pela parcela de patriotismo eterno que lhe more dentro do peito.»
Ah!, o grande Leonardo. Mas «procura da verdade»? Ser «representativo do povo», essa massa ignara? «Patriotismo»? Onde é que já se viu tanto disparate junto? Dêem-nos estatísticas, falem-nos do PIB, remunerações... agora «procura da verdade», ser «representativo do povo», «patriotismo», poupem-nos, por favor. Não é para isso que serve a Universidade. A universidade serve para passar alvarás, para garantir um bom lugar na vida e uma existência bem passada. Tudo o mais, pouco importa. São os tempos.
Nem valerá já a pena voltar a falar em Álvaro Ribeiro, outro proscrito pela Universidade, como exposto no comentário deixado ao significativo texto («postal»?) da Sofia Galvão aqui para trás, nem sequer no sempre admirável Teixeira de Pascoaes, entre outros passíveis de serem citados, incluindo o sempre não menos igualmente admirável Fernando Pessoa que não consta, felizmente, título universitário algum possuir e, talvez por isso mesmo, ou inversamente, tão genuinamente português pôde ser e o foi realmente.
Não haja ilusões, enquanto não se acabar com o Ministério da Educação, alteração alguma essencial irá ocorrer. Não haja ilusões, enquanto não se extinguir o Socialismo que, impossível será acabar com o Ministério da Educação. Não haja ilusões, enquanto não nos livrarmos dos dirigentes políticos que hoje dominam omnipresentes em toda a República, não será possível extinguir o Socialismo que, a todos, subjuga, esmaga e escraviza e, por consequência, igualmente impossível será acabar com o Ministério da Educação que, pouco a pouco, vai destruindo todos os alicerces da Nação Portuguesa.
Da Educação, o Primeiro-Ministro não tem a mais vaga noção do que verdadeiramente seja. Tampouco a Ministra da Educação sabe o quanto tal conceito verdadeiramente significa. Como Socióloga, ou seja, praticante dessa falsa ciência nascida do materialismo com primordial finalidade conduzir os povos ao ateísmo e à mais completa negação da individualidade, jamais poderá ter. E, claro, entretanto, o Senhor presidente da República, apela majestaticamente à «serenidade» e remete-se a um prudente e providencial silêncio, afinal, pouco terá também a dizer e, em tais circunstância, mais vale, nada dizer.
Como muito bem afirmou Leonardo Coimbra, em acordo com a mais funda e verídica tradição portuguesa, Educar é, antes de mais e acima de tudo, formar homens livres. Não por acaso, temos a Educação que temos.
Parafraseando Jung, resta-nos uma esperança: nunca a Educação realizar todo o «bem» que gostaria nem todo o mal que tememos. Por isso mesmo, há ainda, felizmente, homens livres em Portugal, e, cremos absolutamente, homens livres continuará a haver porque a Educação passa, antes de mais, de pais a filhos e, homens livres, homens verdadeiramente livres, homens livres não deixarão de gerar também. Toda a nossa esperança nisto mesmo reside. Em nada mais.
1 comentários:
BRILHANTE! Aplaudo de pé e subscrevo na íntegra!
PALAVROSSAVRVS REX
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