sábado, 19 de janeiro de 2008

Portugal adiado


De acordo com os indicadores de conjuntura ontem divulgados pelo Banco de Portugal, a economia portuguesa terminou o ano de 2007 em forte desaceleração. Acentuou-se, assim, uma evolução que se registava desde Outubro de 2007, mas com uma assinalável queda de 0,3 pontos entre Novembro e Dezembro. Restrições ao crédito, subida das taxas de juro e aumento do desemprego determinaram uma significativa baixa do Indicador Coincidente do Consumo Privado, que se situa agora no pior nível dos últimos quatro anos. Paralelamente, fruto da instabilidade internacional e do arrefecimento das economias clientes de produtos portugueses, as exportações caem. E, pior, as importações aumentam, pelo que a procura externa líquida já tem um impacte negativo no crescimento do PIB.

Ontem também, foi noticiado o anúncio de um pacote de medidas financeiras dirigido ao relançamento da economia americana (ver aqui e aqui). George W. Bush assumiu, na ocasião, que o fomento do crescimento era a sua 'mais premente prioridade económica'. Percebendo a urgência da intervenção política, Bush anunciou um pacote de medidas fiscais no montante de 1% do PIB (145 mil milhões de dólares), capaz de, com efeitos imediatos, manter a economia em marcha e induzir o aumento do emprego – no essencial, através de incentivos fiscais para as empresas e de uma redução dos impostos sobre o rendimento dos americanos. Falando depois do Presidente, Henry Paulson, Secretário do Tesouro, disse, sem hesitar, que 'os riscos de não intervir com medidas de fomento económico seriam demasiado altos'. Na véspera, Ben Bernanke, presidente da Reserva Federal, defendera o recurso simultâneo a incentivos orçamentais e monetários, como forma de potenciar o apoio ao arranque da economia (a generalidade dos analistas vira, nestas declarações, a possibilidade de uma baixa de taxas de juro a anunciar pela Fed ainda no decurso do corrente mês de Janeiro). É certo que as reacções à iniciativa de Bush não foram entusiásticas e que Wall Street fechou em baixa, mas a agenda política assimilou o imperativo de intervenção.

Em França, aguarda-se com expectativa a divulgação do relatório Attali, dirigido à promoção da mudança e do crescimento, agendada para o próximo dia 23 de Janeiro. De acordo com o que já transpira (ver aqui), serão propostas 8 ‘ambições’, 20 ‘decisões fundamentais’ e 314 ‘decisões’. No centro do programa de modernização, Attali e a sua comissão de 42 notáveis colocam a necessidade de preparar a juventude para a 'economia do saber', visando transformar a França em ‘campeã do novo conhecimento’. Primeira aposta, portanto, formação, inovação, pesquisa. Para consubstanciar tal prioridade, propõem a criação de 10 grandes pólos de ensino superior de escala mundial, com financiamento essencialmente privado, vocacionados para os 'sectores do futuro' (v.g. saúde, ecologia, biotecnologias, nanotecnologias, neurociências, etc.). Attali assume o crescimento como um desafio que, para ser ganho, obriga a França a mudar de atitude e de velocidade. Para não definhar, a França precisa de abandonar um quadro ancestral de 'privilégios e conivências' para assumir ‘reformas rápidas e massivas’. Por outras palavras, Attali e a sua comissão preconizam uma ruptura clara com o modelo do pós-guerra, hoje manifestamente desadaptado, em prol de um novo paradigma que assuma mudanças incontornáveis, como a redução do custo do trabalho, a abertura das actividades regulamentadas, a diminuição da despesa pública através do emagrecimento do Estado. Não escamoteando o receio que tais propostas possam inspirar nos mais desprotegidos, a Comissão Attali lembra que são estes, afinal, quem mais precisa de um crescimento forte e sustentado. No entanto, as preocupações sociais recomendam precauções especiais no sentido de garantir que a reforma atinja todas as categorias sociais e profissionais, que os agentes mais vulneráveis à mudança sejam objecto de acompanhamento privilegiado e que os efeitos das diversas iniciativas concretas sejam adequadamente monitorizados e avaliados, dando atenção preferencial às 'vítimas' do status quo (v.g. jovens, desempregados, pobres e excluídos do mercado de trabalho). A ver vamos o que será a efectiva sequência política, depois de 23 de Janeiro. Também aqui, já há cépticos (ver aqui). No entanto, todos lembram que, no Verão de 2007, ao convidar Jacques Attali, o Presidente Nicolas Sarcozy desafiou-o a fazer ‘prova de audácia’. E, publicamente, assumiu: ‘o que nos propuser, nós faremos!’.

Enquanto isto, por cá, os relatórios do Banco de Portugal geram apenas silêncio e não têm qualquer consequência política. Num mundo cada vez mais ciente da mudança e do imperativo de adaptação, nós teimamos em meter a cabeça na areia. O Primeiro-Ministro está feliz no seu país cor-de-rosa. E o líder da Oposição prefere concentrar-se em questiúnculas de natureza partidária.
O que será Portugal daqui a 10, 20 ou 30 anos?... Precisávamos de políticos capazes de pôr a pergunta e, portanto, de desafiar premissas. De políticos capazes de dar respostas e de, assim, ensaiar novos modelos. De políticos que percebessem que o horizonte poderia ser um ou outro, em função estrita da sua acção ou demissão. De políticos que não se resignassem a um país adiado.

4 comentários:

Divinius disse...

A luz que te deixo é da cor da minha vida...)
Comenta o meu blog:)

João Luís Ferreira disse...

Sofia , o que é profundamente desencorajante em Portugal é esse silêncio de que fala. É um silêncio que mata toda a iniciativa ou pelo menos desgasta-a até a fazer desistir. Não nos falta capacidade de análise, nem conhecimentos para implantar mudanças ou traçar novos caminhos. O problema é o silêncio que os fracos sustentam a partir do seu poder e que os perpetua. Ninguém discute, ninguém responde a um desafio, ninguém tem de dar provas, ninguém sai por fazer mal. O silêncio compensa. O país definha. Não é que o país não queira combater, não consegue. O silêncio é como um véu invisível onde inapelavelmente se esbarra.

Sofia Galvão disse...

É, João Luís, ... usando uma frase estafada (e, às vezes, as frases estafadas dão jeito - deve ser por isso, aliás, que são tão estafadas), é um silêncio ensurdecedor.

Anónimo disse...

Caros: Imaginem o que seria o Sócrates anunciar um choque orçamental de 1% do PIB! Lá vinham todos dizer que era mais Estado e que não deixavam a economia trabalhar sozinha. Para além de que a UE não deixaria: são os custos da integração. Nos EU estas coisas fazem-se sem complexos, à direita e à esquerda. Mas lá o choque é necessário porventura também porque a política económica e monetária não tem sido das melhores, nestes últimos anos.