O BCP e o Novo Socialismo Capitalista
Antes de mais, devo dizer afigurar-se-me tão lamentável, senão mesmo escabroso, todo este episódio do BCP que não é sem relutância o meu regresso ao assunto. Talvez por isso haja sido tão elíptico no «post» anterior e haja concomitantemente conduzido o Manuel S. Fonseca a uma interpretação errada, segundo julgo, do mesmo. A consideração que me merece justifica porém esta adenda numa derradeira tentativa de esclarecimento do que considero profundamente grave em toda esta situação.
Nesse sentido, importa também distinguir os vários pomos de discórdia e não obscurecer uns em nome da luminosidade de outros.
Nesse sentido, importa também distinguir os vários pomos de discórdia e não obscurecer uns em nome da luminosidade de outros.
London - English Bankers
Robert Frank - 1952
Assim, temos, em primeiro lugar, a própria nomeação da nova Administração do BCP pelo Poder Político. Cozinhada haja sido entre o Presidente da República, o Primeiro-Ministro, o Ministro das Finanças e o Governador do Banco de Portugal, pouco importa. O facto é que o Poder Político arrogou-se o direito de nomear a Administração de uma instituição particular, sem mais _ ou pior, com o quase unânime aplauso de todos. Afigura-se, à luz do Estado de Direito Democrático em que supostamente vivemos, como todos gostam sempre de apregoar e enaltecer, uma intromissão, por definição, inaceitável, a menos, é evidente, em situação, excepcional, de excepcional gravidade, como última razão para evitar danos maiores.
Ora, por junto, tanto quanto se sabe, não foi o que sucedeu. O Poder Político interveio porque entendeu dever intervir, sem mais. Preemptivamente? Não o sabemos uma vez nada nos ter sido dito sobre o assunto mas, uma certeza fica: a julgar por este processo, parece ser legítimo ao Poder Político, a partir de agora, intervir preemptiva e directamente na condução dos negócios de qualquer instituição particular sempre que, mal ou bem, assim o entenda dever fazer, sem mais.
Presumem-se indícios criminais decorrentes da realização de ilícitas operações «off-shore»? Investigue-se, apura-se quanto há a apurar, prove-se e aja-se em conformidade. Poderá ser que esteja mal informado mas, até agora, tanto quanto saiba, nada está provado e, até prova em julgado, há presunção de inocência, não obstante poderem recair, transitoriamente, sob eventuais suspeitos ao arguidos no processo, medidas de coação tidas como adequadas, limitadoras do pleno gozo das suas liberdades cívicas. Mas, mesmo sendo esta a situação, que direito é que um caso de polícia outorga ao Poder Político a prorrogativa de se substituir aos legítimos accionistas de uma instituição particular na nomeação da sua Administração? Está o BCP em risco de insolvência? Houve receio da crise do BCP poder conduzir a uma situação paralela à do famoso «crash» dos anos 30? Afinal, qual a gravidade da situação do BCP que justifica tão, aparentemente, absurda decisão, tão extremo procedimento? Tanto mais quanto os designados indícios criminais, não vêm de ontem nem de anteontem mas de há anos. Ora, também tanto quanto se saiba, nem o Banco de Portugal e a CMVM vez alguma viram alguma coisa nem, também tanto quanto se saiba, vez alguma se preocuparam o suficiente para abancarem, de malas e bagagens, no BCP, escrutinando cada operação, cada papel, como sempre foi seu apanágio fazê-lo em relação a corretores e outras instituições financeiras de menor peso? Quem, até agora, os chamou à responsabilidade? O Presidente da República não parece ter sido e, Banco de Portugal, respectivo Governador e mais a dita CMVM aparecem, afinal, como os grandes, impolutos e últimos zeladores não se sabe bem do quê.
E é exactamente aqui que entra o Socialismo que nos esmaga, empobrece e, por fim, haverá de nos envilecer a todos. Digo Socialismo e não Partido Socialista nem me refiro particularmente aos socialistas. Por certo, por mais imaginação que tenha o Primeiro-Ministro, toda esta triste história do BCP ultrapassa-o em muito, tanto mais quanto não é sequer apenas uma questão de imaginação mas também de realização e, tanto quanto se saiba, não dispunha nem nunca dispôs dos meios para tal.
O Socialismo é a ideologia que dominou o Séc. XX e continua a dominar o início do Séc. XXI. Se olharmos para a nossa Democracia e para os respectivos Partidos Políticos, fácil é concluirmos também que, do CDS-PP ao Bloco de Esquerda, passando pelo PPD-PSD, PS e PC, as diferenças são de grau mas não de essência. Na essência, todos comungam dos mesmos ideais e, mais do que dos ideais, das mesmas práticas socialistas.
Verificou-se entretanto que, após a completa falência e a derrocada final do Comunismo, extremo do Socialismo, surgiu esta mescla de praxis política que, à falta de melhor designação mas não sem rigor e poder sugestivo, se poderá designar como Socialismo Capitalista, último avatar do mais tradicional Socialismo. Se Von Mises ainda podia dizer que o capitalismo se distinguia por ser o sistema que conduz os possidentes a tornarem-se poderosos e o comunismo o sistema que conduz os poderosos a tornarem-se possidentes, no actual Socialismo Capitalista tudo surge confundido e, por isso mesmo, todas estas trapalhadas que, de tempos a tempos, surgem para espanto de todos quando, a promiscuidade entre Poder Político e Poder Financeiro ou Económico, é exactamente a sua essência.
Como é natural, há quem, por ignorância, designe o actual Sistema como Liberalismo Selvagem, um manifesto disparate que nem valerá a pena estar agora a dilucidar. O que importa é que, em Portugal, dados os antecedentes históricos, desde os condicionamentos industriais às nacionalizações de 75, para não ir mais longe, dada a insipidez de um Poder Financeiro verdadeiramente nacional e autónomo, tudo isto assumo foros de muito maior gravidade, sendo a referida promiscuidade a constante terrível e trágica do nosso actual Regime Democrático e respectivo Sistema Económico, tal como este triste episódio do BCP torna assustadoramente patente, não deixando também de representar um certo envilecimento para qual parecemos todos caminhar quase inexoravelmente.
Que tudo isto é triste, é-o sem dúvida. Que seja fado, ainda tenho uma réstia de esperança que o não seja.
E, no fundo, no fundo, creio também que não discordamos assim tanto quanto à primeira vista parecia, para além de podermos fazer igualmente nossas as palavras da Sofia Galvão, exaradas com tanta lucidez quanto indignação no seu «post» de ontem.
Post-Scriptum: É claro, para um cinéfilo como o Manuel, não poderia deixar de dizer ainda que, tivéramos nós um Orson Welles e talvez tudo isto se justificasse em nome da Arte. Mas, assim, não ascendendo além do plano dos «Call-Girl», nem isso parece justificar seja o que for.
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