segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

Do BCP a Derrida

Já tive, aqui e aqui, algumas conversas filosóficas (i.e, tão ociosas como saborosas) com o Gonçalo. O “affaire BCP” a ambos interessa e aos dois reclama tempo e conversa. Li este post iconoclasta e não resisto a alguns comentários arrumadinhos e conservadores.
Para começar, gostei bastante da fotografia do Robert Frank. Já me tinham chamado a atenção para o facto do nosso blog ter muita carga textual, sendo avesso à imagem. Aproveito para fazer algum proselitismo na matéria: mais imagens, o que até não obriga a menos texto.
E vamos agora de assalto ao BCP. Faço quatro reparos que, passe o acordo noutros pontos, constituem matéria de significativa divergência.

A nomeação
Diz o Gonçalo que “o Poder Político arrogou-se o direito de nomear a Administração de uma instituição particular”. Discordo. Não se arrogou, foi para isso convidado e, em última instância (bordão das velhas análises marxistas), a nomeação é a que melhor serve os accionistas. Sem estar a ser muito especioso, diria que os accionistas têm o que querem e precisam para obter os melhores resultados, tendo com isso implicado o Poder político (muito particularmente o Presidente da República), implicação de que, no futuro, se alguma coisa correr mal, podem pedir contas. Ou seja, se os grandes accionistas do BCP não acreditassem que com esta solução vão resolver um problema e melhorar os seus ratios, jamais deixariam de atacar esta “solução política” com paus e pedras. E avançam com as costas quentes.

A crise
Interroga-se o Gonçalo se “Houve receio da crise do BCP poder conduzir a uma situação paralela à do famoso «crash» dos anos 30?” Ofereço-lhe de bandeja uma visão alarmista: há quem diga que por esta crise perpassam ingredientes similares ao do sub-prime americano, com a diferença de que em vez do percentual residual que o dito percalço representa para a economia americana, o BCP representa para aí um quarto do valor do nosso sistema bancário. Por outro lado, por muito menos do que o “crash” dos anos 30, o Poder político interveio em Espanha no “caso Mario Conde” que acabou atrás das grades, tal como interveio em situações de crise nos EUA (com algumas condenações e prisões à mistura), ao ponto de aqui se dizer que “The Bush administration and the Federal Reserve have in recent weeks put aside laissez-faire rhetoric to wade into real estate, wielding new rules and deals they say are necessary to protect Americans from predatory bankers... Were the market left to its own devices, millions could lose their homes, the administration now says.” Peço ao Pedro Lains, que tão bem me interpretou num comentário avulso noutro post, o favor de nos esclarecer nesta matéria com a sua expertise

O sistema político
Afirma o Gonçalo que “do CDS-PP ao Bloco de Esquerda, passando pelo PPD-PSD, PS e PC, as diferenças são de grau mas não de essência”. Não sei qual é o seu “diferencial ideológico”, mas discordo. Há diferenças de essência entre o grupo CDS, PSD, PS e o grupo PCP, Bloco. Como há diferenças essenciais entre qualquer um destes dois grupos e o pensamento fascista, seja na dura vertente nazi, seja na vertente ópera-bufa de Mussolini. E há ainda diferenças essenciais entre o que hoje são o Bloco e o PCP e que o foram os totalitarismos estalinista, trostskista (que só teve uns breves relâmpagos práticos) e maoísta.

Conceitos
Temos uns problemas conceptuais a fazer ruído no meio da nossa conversa. O Gonçalo fala dum “Socialismo Capitalista, último avatar do mais tradicional Socialismo”. Não sei o que dizer. Parece-me haver contradição nos termos. Tentei usar o Dicionário. Não serviu, o que para o meu feitio é muito mau sinal. Prometo que vou voltar a ler o "nunca meu" Derrida para resolver o paradoxo. Temo é que isso amargue sem remissão o meu ano de 2008.

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