sábado, 17 de novembro de 2007

Portugal, o Presidente da República e o Mar


Dizia Roger Vadim, se a memória não nos atraiçoa: «Os homens têm futuro, as mulheres passado. É natural as passado casarem-se com homens com futuro». Portugal tem futuro _ pelo menos nós acreditamos que assim seja. Os nossos políticos, infelizmente, porém, não têm apenas passado, têm demasiado passado, e o actual enlace não augura nada de bom.

Hiroshi Sugimoto - 1994

O actual Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva de sua graça, entre Ministro das Finanças e Primeiro Ministro, participou e governou os destinos de Portugal por cerca de dez anos. Não se lhe conhece, durante esse período, particular preocupação, enquanto governante, da importância do Mar para Portugal. Entretanto, porém, os assuntos do Mar têm vindo a assumir crescente importância política, tanto em termos internacionais como, muito em particular, no âmbito da União Europeia, e eis o Senhor Presidente da República a convocar uma Jornadas dedicadas às Ciências e Tecnologias do Mar, aproveitando a oportunidade para, segundo os relatos da imprensa, «passar um raspanete ao Governo», como se diz na gíria, por não «ter passado ainda à acção» como, no seu entender, deveria.

Evidentemente, antes de prosseguirmos, necessário é aqui fazermos uma pequena ressalva, não tendo tido nós a possibilidade de acompanharmos, in loco, a par e passo, as ditas Jornadas e sabendo como, habitual e frequentemente, as notícias relatadas desfiguram quase por completo quanto realmente se passou, o risco de estarmos a ser injustos, adoptando como fiéis esses mesmos relatos, é elevado. Todavia, compreendendo também como o relatado se enquadra, de facto, num todo, num certo padrão e atitude desde sempre seguidos pelo actual Presidente da República, cremos muito não desvirtuarem, de facto, na sua mais essência, quanto verdadeiramente proferido terá sido. Ressalva feita, prossiga-se.

De per si, louvável iniciativa poder-se-ão considerar as sobreditas Jornadas _ afinal, sempre terão servido, entre outros aspectos, para o excelente trabalho realizado por várias instituições nacionais em várias áreas relacionadas com o Mar, desde o IPIMAR, passando pelo Porto de Sines, até aos Instituto Hidrográfico da Marinha, para dar apenas três singelos exemplos. Mas tudo o mais é melancolicamente triste, vazio, puramente retórico _ naquela pejorativa acepção que o Presidente da República, por desconhecimento atribui a toda a retórica e que afirma tanto aborrecer-lhe.

Em primeiro lugar, não cumpre ao Presidente da República, no Ordenamento Jurídico português, supervisionar os actos do governo mas à Assembleia da República. Logo depois, haverá a atender que, em termos de Defesa Nacional _ e as questões relacionadas com o Mar podendo e devem considerar-se como questões de Defesa Nacional, não sendo por acaso, com certeza, encontrarem-se sobre tutela do Ministério da Defesa _, cumpre ao Presidente da República «o dever de aconselhar, em privado, o Governo acerca da condução da política de Defesa Nacional». Em privado, sublinhe-se, não em público.

Ao Presidente da República cumpre, com certeza, de algum modo orientar os destinos da Nação mas, se formos ao «site» da Presidência da República na Internet e procurarmos o alto pensamento do Senhor presidente da República sobre as questões do Mar e indagarmos das razões que o terão conduzidos a promover as sobreditas Jornadas, com facilidade descobrimos também o quão pouco aí encontramos para além de uns decalques do Livro Verde da União Europeia para Uma Futura Política marítima Europeia, e algumas outras generalidades. De pensamento estratégico, de verdadeiro pensamento estratégico, nem uma linha. E, todavia, não deixaria de ser interessante saber o que verdadeiramente pensa o Senhor Presidente da República sobre os assuntos do Mar, admitindo que verdadeiramente pense sobre os assuntos do Mar, como admitimos que pense.

Interessante seria, afigura-se-nos, sabermos o que pensa o actual Presidente da República Portuguesa sobre o projectado Tratado Reformador e do famigerado Artigo I-13º-d que, se bem entendemos das muitas emendas realizadas em Lisboa, ainda se mantém como exarado no famigerado Tratado de Constituição Europeia.

Como igualmente interessante seria conhecermos a alta reflexão do Senhor Presidente da República Portuguesa sobre a projectada Guarda Costeira Europeia, não obstante, como é evidente, tender a começar apenas de forma mitigada e, neste momento, ser posição oficial de Portugal, afirmada em conjunto com Espanha e França (cousa curiosa, de muito espantar e digna de se ver), a de a tal considerar prematuro e inoportuno «face à existência de obstáculos de natureza jurídica no plano do Direito Internacional Marítimo». Mas não são esses constrangimentos ultrapassáveis? Sobretudo quando o nosso Direito mais e mais se subordina ao Direito Europeu? E não será de relembrar aqui o paralelismo com a velha discussão do Mare Clausum e Mare Liberum, Mar sempre Livre para quem tiver capacidade de o fazer seu?

E já agora, enquanto Comandante Supremo das Forças Armadas, com particulares atribuições no âmbito da Defesa Nacional, onde se inclui a «independência nacional, a integridade do território e a liberdade e a segurança das populações contra qualquer agressão ou ameaça externa, não menos interessante se afigura ainda ter notícia do que eventualmente pensar possa o também designado Chefe do Estado, o Senhor Presidente da República Portuguesa, Aníbal Cavaco Silva de sua graça, sobre as três interrogações que aqui exaradas deixámos já, «postes» atrás:

-Está Portugal disposto a verdadeiramente defender os seus direitos sobre o Mar que é seu?

- Está Portugal disposto a verdadeiramente afrontar, se necessário, a União Europeia nesse particular para defender os direitos que são seus?

- Tem Portugal uma verdadeira estratégia e consequente acção que justifique essa defesa?

Hiroshi Sugimoto - 1990

Louváveis, as Jornadas, já o dissemos. Mas mais louvável ainda seria o Senhor Presidente da República contribuir, de facto e verdadeiramente, para a afirmação de um verdadeiro pensamento estratégico de Portugal para o Mar. E, infelizmente, embora admitimos que por deficiente informação, facto é que, até agora, tal não vimos suceder.

A sempre a mesma melancólica situação triste de sempre: muita parra e pouca uva.

3 comentários:

Anónimo disse...

Gonçalo,
1 - Sinceramente, acho que de teoria estamos bem servidos nesta matéria. Basta ler, por exemplo, o relatório da Comissão Estratégica para os Oceanos nomeada pelo Governo Barroso. Do meu ponto de vista, ao PR não compete necessariamente teorizar mais sobre o tema. Que, na lógica de uma masgistratura de influência, ele se limite a lutar por colocar o tema na agenda política, exigindo que se passe da teoria à prática, parece-me absolutamente adequado e um sinal bastante da importância que atribui ao tema.
2 - É um erro querer reduzir as questões do Mar às questões da defesa. O que faz falta é precisamente uma visão integrada do tema e uma politica multidisciplinar. O PR deve intervir, ruma lógica de magistratura de influência, pugnando por uma acção global e não como chefe supremo da forças armadas.

Gonçalo Magalhães Collaço disse...

Advoga e outorga Pedro Norton ao actual Presidente da República Portuguesa, Aníbal Cavaco Silva de sua graça, a dispensa de teorizar, i.e., de ver e cumulativamente pensar. Estará, como agora se diz, no seu pleníssimo direito. Fora eu dado a cinismos e ao sarcasmo e talvez até escrevesse que faz muito bem assim advogar, não deixando de merecer do povo português, por tal feito, a mais sincera gratidão. Todavia, o assunto afigura-se-me suficientemente sério para cinismos e sarcasmos e, na minha humilíssima condição de modesto cidadão desta socialista República, ambiciono e exijo um pouco mais da figura do Presidente da República Portuguesa, encarnada seja por quem for. Não se designa e identifica, aliás, também, múltiplas vezes, como sendo o Supremo Magistrado da Nação? Terá a palavra Magistrado outro significado que, em absoluto, desconheço? Mas, admitindo que assim não seja, i.e., admitindo que Magistrado tem o significado que todos conhecemos, não deve e terá mesmo por obrigação teorizar? Ou estou a ser demasiado ambicioso?

Por outro lado, no que respeita à dita «magistratura de influência», na verdade, é cousa que não sei o que seja. Lendo as constitucionais atribuições do Presidente da República, nada vislumbro semelhante ou equiparado a tão abstrusa expressão. Talvez demasiado apressada haja sido a leitura mas, ainda assim, «magistratura de influência» sempre associo a um eufemismo para designar uma espécie de Director de Empresa de Comunicação e Relações Públicas. Ora, com não menor franqueza, parece legítimo esperar um pouco mais de um Presidente da República do que ser apenas uma qualquer espécie de Director de Empresa de Comunicação e Relações Públicas ou simples Mestre de Cerimónias, o que vem dar mais ou menos ao mesmo.

Entre as atribuições do Presidente da República, encontra-se, de facto, a de ser o Comandante Supremo das Forças Armadas. Atribuição significativa _ modestamente o afirmo. Assim, sendo uma das principais funções do Estado velar e zelar pela Defesa Nacional, sendo o Presidente da República o Comandante Supremo das Forças Armadas, não se entende, não entendo, como confundir se possa quanto o é primordial como sendo reducionista, tanto mais quanto, em lugar algum, se afirma ou advoga deverem encontrar-se as atribuições e acção do Presidente da República reduzidas, limitadas, circunscritas ás atribuições respeitantes à Defesa. Todavia, que são essas as suas mais importantes e primordiais atribuições, isso parece não apenas lógico como se afigura ser quanto decorre do «espírito» da lei.

Quanto ao famoso Relatório da Comissão Estratégica para os Oceanos, infelizmente, objecto de uma quase clandestina edição, sob coordenação de Tiago Pitta e Cunha, hoje, o zelador dos interesses e Política Marítima Europeia, tem, sem a menor sombra de dúvida nem ironia, grandes e nunca devidamente enaltecidos méritos. Mas não é a Bíblia. E, se muito não erro, o pensamento estratégico sobre a importância do Mar para Portugal, vem já desde D. Dinis, do Infante D. Henrique... Quer dizer, parafraseando célebre dito, «há mais pensamento estratégico para além do Relatório». Todavia, a questão não é essa, a questão é que o Pedro Norton quer que se passe «à prática» - mas qual prática? E não importa saber o que o Presidente da República pensa das questões cruciais que podem determinar e arruinar, em absoluto, toda a nossa estratégia, a nossa verdadeira independência e soberania no que ao Mar que é nosso respeita?

Na verdade, isso preocupa-me. Encontramo-nos, de facto, em muito distintos pathos e ethos. Talvez seja a isso o que algumas boas almas chamam a riqueza do pluralismo. Seja.

Anónimo disse...

Gonçalo,

Limitei-me a afirmar duas coisas (gosto de escrever assim, «à moderna») muito simples que, seguramente por inépcia minha, não compreendeu ou fingiu não compreender:

1 - Afirmei que «de teoria estamos bem servidos nesta matéria (...). Do meu ponto de vista, ao PR não compete necessariamente teorizar mais sobre o tema» (de resto, ouso admitir que, ainda que ao de leve, me dá razão quando afirma que «o pensamento estratégico sobre a importância do Mar para Portugal, vem já desde D. Dinis, do Infante D. Henrique...»). Na réplica, perde o seu tempo a enriquecer-me com interessantíssimas divagações sobre o papel de magno teorizador que atribui ao Presidente da República. Na minha singela ignorância diria que da minha afirmação não se infere nenhuma generalização que dê nexo a tal resposta. Mas ele seguramente existe e a culpa é minha que não o soube encontrar.
2 - Defendi e reitero que «é um erro querer reduzir as questões do Mar às questões da defesa». Na resposta tem a amabilidade de partilhar comigo e com o Mundo a sua interpretação dos poderes do Presidente da Republica e do «espiríto da lei» (presumo que da Constituição). Se não viesse de quem vem, diria que «a alhos respondeu bogalhos». Mas assim sendo, presumo que o defeito é, mais uma vez, exclusivamente meu.

Quanto ao mais, caro Gonçalo, é um facto que nos encontramos «em muito distintos pathos e ethos». Se para mais não servir, o saudável pluralismo do nosso blogue pelo menos já terá servido para que nos ponhamos de acordo sobre esse ponto.

Aceite um abraço,
PN