À procura de Madeleine
Tenho estado ausente do blog porque tenho andado ausente um pouco por todo lado nas últimas semanas. No entanto, em todos os lugares onde estive "encontrei" Madeleine McCann: nas televisões internacionais como nos jornais locais de diversas cidades no mundo, a criança britânica desaparecida na Praia da Luz é (foi?) foco das atenções.
De acordo com o Departamento de Estado norte-americano, todos os anos aproximadamente 300.000 crianças são vítimas de rapto. Na União Europeia são alguns milhares por ano. No Reino Unido apenas, foram raptadas 846 entre 2002 e 2003 (70.000 é número de crianças dadas como desaparecidas todos os anos). O que tem de especial Madeleine McCann?
Há um elemento de identificação com a família de Madeleine que foi fundamental no efeito catalizador de um enorme interesse público (que no Reino Unido já é comparado com o efeito Diana de Galles). A presunção, que gerámos no conforto do nosso mundo de hoje, de que não seremos apanhados de surpresa. Num certo sentido as sociedades ocidentais de bem estar já não conseguem lidar facilmente com a ideia do sofrimento inesperado e da incerteza. A ideia de que, subitamente, o nosso mundo pode ser abalado de forma brutal é-nos hoje quase inconcebível. Um pouco como se julgássemos ser possível fazer um outsourcing da incerteza.
Não acredito que se trate de voyeurismo mas sim de um processo de identificação o que explica a dimensão adquirida por esta história. Tratou-se de um processo quase cinematográfico. Houve uma identificação com a vítima (e a sua família) e depois a história adquiriu a natureza de uma narrativa que nos aprisiona com os sucessivos "volte-faces" do guião e um final incerto. Num certo sentido, a história de Madeleine transformou-se no reality show ideal: aquele em que a realidade se manifesta como um produto de uma dramatização imaginada. Em parte, os media (particularmente as televisões) promoveram este efeito porque é a única forma que encontram de tornar a informação interessante e competitiva. É apenas um passo mais na transformação a que já assistíamos dos noticiários em magazines da realidade. Claro que isto tem consequências. Uma notícia que é transformada numa "história" exige um principio, um meio e um fim (todos ansiamos por saber como acaba esta "história" como se fosse possível garantir que ela tenha uma conclusão) e exige também heróis e vilões (a jornalista que denuncia e os arguidos tratados como culpados bem antes de qualquer prova concreta). O tempo noticioso transforma-se num tempo cinematográfico: exigimos novos capítulos todos os dias ou perdemos o interesse na história e não estamos dispostos a esperar infinitamente para saber quem é o culpado.
De acordo com o Departamento de Estado norte-americano, todos os anos aproximadamente 300.000 crianças são vítimas de rapto. Na União Europeia são alguns milhares por ano. No Reino Unido apenas, foram raptadas 846 entre 2002 e 2003 (70.000 é número de crianças dadas como desaparecidas todos os anos). O que tem de especial Madeleine McCann?
Há um elemento de identificação com a família de Madeleine que foi fundamental no efeito catalizador de um enorme interesse público (que no Reino Unido já é comparado com o efeito Diana de Galles). A presunção, que gerámos no conforto do nosso mundo de hoje, de que não seremos apanhados de surpresa. Num certo sentido as sociedades ocidentais de bem estar já não conseguem lidar facilmente com a ideia do sofrimento inesperado e da incerteza. A ideia de que, subitamente, o nosso mundo pode ser abalado de forma brutal é-nos hoje quase inconcebível. Um pouco como se julgássemos ser possível fazer um outsourcing da incerteza.
Não acredito que se trate de voyeurismo mas sim de um processo de identificação o que explica a dimensão adquirida por esta história. Tratou-se de um processo quase cinematográfico. Houve uma identificação com a vítima (e a sua família) e depois a história adquiriu a natureza de uma narrativa que nos aprisiona com os sucessivos "volte-faces" do guião e um final incerto. Num certo sentido, a história de Madeleine transformou-se no reality show ideal: aquele em que a realidade se manifesta como um produto de uma dramatização imaginada. Em parte, os media (particularmente as televisões) promoveram este efeito porque é a única forma que encontram de tornar a informação interessante e competitiva. É apenas um passo mais na transformação a que já assistíamos dos noticiários em magazines da realidade. Claro que isto tem consequências. Uma notícia que é transformada numa "história" exige um principio, um meio e um fim (todos ansiamos por saber como acaba esta "história" como se fosse possível garantir que ela tenha uma conclusão) e exige também heróis e vilões (a jornalista que denuncia e os arguidos tratados como culpados bem antes de qualquer prova concreta). O tempo noticioso transforma-se num tempo cinematográfico: exigimos novos capítulos todos os dias ou perdemos o interesse na história e não estamos dispostos a esperar infinitamente para saber quem é o culpado.
No entanto, não sou capaz de fazer um juízo negativo desta história e do seu tratamento (e muito menos da gestão que dela é feita pela família McCann). Não aceito as críticas dos que comparam o tratamento desta história com as crianças que morrem em Darfur ou em dezenas de outros locais no planeta. Não o faço precisamente porque não sou capaz de diluir nenhuma história como esta no meio de outras histórias. Espero sim que cada um de nós se comece também a preocupar por algumas dessas outras histórias. Talvez o retrato de Madeleine nos faça olhar para outros retratos. No fundo, por muito que nos custe aceitar necessitamos sempre de nos identificar para nos preocupar. Espero que o façamos. No entanto, todo este circo já valeria a pena para pelo menos encontrar Madeleine McCann. Não há que ter vergonha disso. Não temos que corrigir o mundo para legitimar uma boa acção nele e a ética não tem que ser estética...
3 comentários:
Completamente de acordo - com um senão: à semelhança de certos eventos de natureza publicitária, o caso Maddie já esgotou a sua capacidade de permanecer interessante. A razão é óbvia: dos suspeitos eventuais ao circo inglês dos media - que o nosso próprio cirquinho tenta imitar - já toda a gente percebeu que não vale a pena assistir mais ao arrastar penoso desta história, que só poderia ter um único final feliz. Ora suponho que também já ninguém acredita muito em tal possibilidade - salvo os pais, que têm de se agarrar à esperança nem que seja para manter um pouco de sanidade mental.
O que se seguirá resulta do próprio processo do verdadeiro «reality show»: nada havendo para mostrar, segue-se a ruminação obrigatória de alguns bocados agora recessos. E os comentários já se ouvem: «Isto está a ficar parecido com a ponte de Entre-os-Rios»...
Farto-me de escrever sobre o assunto. É de facto maçador... e bastante ofuscante.
Gostaria de salientar a parte final do que escreveu, embora toda a análise seja de extrema lucidez. Nós os médicos lutamos sempre por uma vida singular, a do "nosso" doente, como se salvar "aquela" vida equivalesse a salvar "todas" as vidas. Por isso, a indignação de alguns quanto ao favorecimento dos media no que se refere a esta criança, não me faz sentido.
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