domingo, 6 de maio de 2007

França 2007: desafio, compromisso e exigência de mudança


Da batalha presidencial de 2007 e da vitória de Sarcozy, interessa-me o essencial: a assunção política da centralidade da mudança.
Falou-se em renovação e os protagonistas reviram-se no papel de renovadores. Ségolène propôs novas convergências e novos métodos. Sarcozy preconizou a ruptura nas ideias, nos hábitos e nos comportamentos. Ela apelou à Nova Esquerda. Ele, à Nova Direita. Novos valores, novas emoções, novos paradigmas, novas metas. Sarcozy, mais do que Ségolène, há que reconhecer, trabalhou ideologicamente o seu discurso. E o povo aderiu. Uma participação de 86% é uma vitória em si mesma – algo decisivo numa Europa alheada, desmobilizada e descrente.
E, em tudo isto, houve um sopro novo. Um novo entusiasmo e uma nova esperança. Ou, em nome do rigor histórico, um entusiasmo e uma esperança há muito desaparecidos.
Mas é bom que não se embandeire em arco. Há enormes fragilidades neste momentum.
Sarcozy rompe com o gaullismo, integrando matizes conservadoras, liberais e populistas, numa proposta que não se sabe como será calibrada no exercício concreto da governação. Sarcozy abre-se à Europa e ao Mundo, inovando mesmo na sua (inteligente) aposta mediterrânica, mas persegue-o um lastro de nacionalismo fechado e proteccionista. Sarcozy apela à tolerância e à inclusão, sem conseguir fazer esquecer tempos menos generosos. Sarcozy elogia a democracia, enquanto presta homenagem à história e ao prestígio da velha França, podendo despertar, tão eficaz quanto perversamente, chauvinismos latentes.
Na Esquerda, e em paralelo, tudo será dramático. A derrota denuncia um fracasso inescapável: pela terceira vez consecutiva, fica uma ideia de impotência, de vazio, de inconsistência, de inconsequência. A imediata reacção de Dominique Strauss-Kahn é um aviso claro quanto aos tempos que aí vêm… Tempos que, a bem da Esquerda e do confronto democrático em França e na Europa, devemos desejar que sejam de profunda (e, nesse sentido, violenta) revisão conceptual e discursiva dos seus quadros políticos, visando um aggiornamento sucessiva e irresponsavelmente adiado.
Seja como for, para que se não perca o saldo positivo destas eleições presidenciais de 2007, é determinante manter o foco no essencial: a mudança! Proposta substantiva e metodológica para um futuro diferente. Nessa medida, promessa de campanha a sindicar sem tréguas. Cada passo, cada iniciativa, cada discurso, cada lei devem ser escrutinados na sua dimensão de compromisso. A exigência crítica e permanente será condição do desafio: se existir, poderá haver sucesso, se falhar, jamais…
Para nós, o que se passar em França, pode e deve ser lição a seguir com particular atenção. Porque a França - olhada como peça-chave na história da Europa e do Ocidente - sempre foi (e não deve deixar de ser), para nós portugueses, uma decisiva referência cultural e política. Mas, sobretudo, porque, em Portugal, a mudança se impõe inadiável - pelo que, para a fazermos, precisamos de ir definindo caminhos e construindo soluções.

2 comentários:

Manuel S. Fonseca disse...

Nos discursos de Sarkozy, no anúncio da vitória e nos festejos na Place de la Concorde, registo dois grandes momentos.
Primeiro, e na esteira de De Gaulle: «La France m'a tout donné, il est venu le temps pour moi de tout lui rendre ». Sem hesitações Sarkozy prometeu pleno emprego e aumento de poder de compra. “Eu não vos trairei”, disse a rematar. Claro, conciso e corajoso.
Segundo, e após a recusa firme dessa “haine de soi” que envenena as elites culturais europeias, Sarkozy afirmou o universalismo da França, “pátria dos perseguidos de todas as tiranias e ditaduras, das mulheres martirizadas em todo o mundo”, assumindo o "regresso" à Europa e um papel chave na união do Mediterrâneo.
São discursos, e discursos feitos em momento de particularíssima exaltação. Mas a meridiana clareza - que vem acompanhada de um evidente suplemento de mudança - merece aplauso e atenção.

Madalena Lello disse...

A recuperação de um político.
Em Novembro de 2005, em visita a uma das zonas incêndiadas da periferia de Paris, uma residente de um desses bairros pede a Sarcozy, tire-me deste inferno, livre-me desta escumalha...Sarcozy responde-lhe, pode ficar descansada que a livro desta escumalha. Um jornalista que estava perto ouviu, escumalha fez eco em todo o mundo, parecia até que Sarcozy a utilizara num discurso. Á época as eleições presidênciais já era tema recorrente da imprensa. Lia-se, Sarcozy está arrumado já não se pode candidatar. Ontem ganhou, conseguiu recuperar do mau jornalismo, espera-se que agora recupere a França...