domingo, 22 de abril de 2007

Vícios Privados, Públicas Virtudes

Vivia em NY quando surgiu o affair Levinsky. Creio que a importância do incidente foi incompreendida na Europa, e para quem estava embrenhado na cultura americana, era frustrante a incapacidade para fazer compreender o significado da história para o cidadão dos EUA. O argumento europeu é de que se tratava de aspectos da vida privada, irrelevantes para a coisa pública, e reveladora de uma hipocrisia subjacente ao puritanismo norte-americano. Estreita visão. Em primeiro lugar, ressalta óbvio que o tempo ou acto que um Presidente permanece ou pratica na sala oval não é privado, da mesma maneira que não é quarto de hotel o gabinete de trabalho de qualquer funcionário de uma empresa. A responsabilidade do exemplo, aliás, cresce com a responsabilidade do cargo. Em segundo lugar não é linear que seja legítima a sedução de um homem com o poder de um presidente dos EUA sobre uma estagiária vinte anos mais nova, porque a capacidade de seduzir, ultrapassa, com probabilidade a pessoa, para ter origem, em parte, no cargo que ocupa. Como dizia Kissinger: “o poder é o maior afrodisíaco”. Nesse sentido há um abuso de poder, não do ponto de vista legal, mas ético. O argumento de que é hipócrita a condenação pública porque todos temos “telhados de vidro”, faria sentido se o grau de exigência em relação a quem ocupa um lugar de Estado, como a presidência dos EUA, fosse idêntico ao de qualquer cidadão comum. Parece-me óbvio que não é, nem poderá ser. Naturalmente que a sua actividade é escrutinada em proporção à responsabilidade da posição que ocupa, como proporcional é também a medida de requisito, e a severidade do juízo. Por outro lado, numa sociedade multiracial e multicultural, exige-se que o Presidente seja o símbolo de um conjunto de ideais comuns a todos os homens, e que os juntam no tecido social, independentemente de raça ou credo, como seja o valor da família e da verdade. Nesse sentido, é de toda a importância conhecer o currículo da vida privada de um candidato a ocupar um lugar de topo na hierarquia do Estado. Não acredito, e temos sobejas provas disso, que uma pessoa falha de carácter no seu exemplo de vida, se venha a revelar diferente quando ocupa uma posição de poder. Pelo contrário, as falhas de carácter revelados no passado, são a mais das vezes ampliadas pelo poder que se detém. Todos somos de alguma forma, reféns do nosso passado. Um político com “esqueletos no armário” é potencial alvo de chantagem, e vê a sua liberdade de juízo e actuação limitada pela eventual revelação de erros ou falhas.
Votei no Sr. José Sócrates para primeiro-ministro, não lhe pedi que calculasse a resistência de uma viga. Por isso, é-me indiferente o seu grau profissional, mas não me é indiferente saber se usurpou títulos ou falsificou classificações, porque não o poderia reconhecer em algo muito simples, mas de particular importância para quem detém o poder: ser um homem de bem.

Nuno Lobo Antunes

4 comentários:

Anónimo disse...

Tem toda a razão!

SV disse...

«Em segundo lugar não é linear que seja legítima a sedução de um homem com o poder de um presidente dos EUA sobre uma estagiária vinte anos mais nova, porque a capacidade de seduzir, ultrapassa, com probabilidade a pessoa, para ter origem, em parte, no cargo que ocupa.»

E então?
O que é que defende exactamente: Que por ser Presidente dos EUA abusou da coitadinha da estagiária que de tão novinha e tolinha não era legítimo esperar que resistisse; ou que se deve censurar numa jovem de 20 anos o efeito afrodisíaco que o poder pode exercer?
Além disso, essa de exigir que a capacidade de seduzir se reduza aos atributos da pessoa faz lembrar a Alice e o país das maravilhas.
O ser humano é, por regra, tão desinteressante que se não desenvolvessemos a capacidade de nos iludirmos, andávamos mal.
Se é para descobrir que estávamos errados, ao menos que a ilusão valha a pena... enquanto dure (como dizia o outro).

Mentat disse...

Completamente de acordo, mas além disso, convinha recordar que Clinton não foi julgado por seduzir a estagiária no seu local de trabalho, mas sim por mentir publicamente.
.

Anónimo disse...

Nada melhor que na última saga "neo-con" para fazer bom o dito...


Vicios privados, públicas virtudes até que qualquer um olhar melhor !