Grothendieck La Clef des Songes ou Dialogue avec le Bon Dieu I
Na
comunidade científica francesa, quando se fala de Grothendieck, há sempre um
lugar comum: ele teria sentido uma atracção pela meditação budista em certa
altura da sua vida. Em conferências, ninguém se refere à sua relação com o
cristianismo, sendo certo que é filho de um judeu, e de uma cristã, e tendo
vivido anos da sua infância junto de uma família fervorosamente cristã. Esta
ligação entre meditação e budismo é infelizmente o resultado de uma crassa ignorância.
A separação entre humanidades e ciências tem custos para ambas as partes. Que a
ideia de meditação da morte, por exemplo, se encontre em Anaxágoras e Séneca, e
que haja meditação cristã, na mística oriental e ortodoxa, é algo que escapa à apreciação
destes comentadores.
Para
que não haja análises apressadas da questão, é preciso dividir o tema em varias
partes:
a)
Vou
reduzir a análise à CDS (GROTHENDIECK,
Alexandre, La Clef des Songes ou Dialogue avec le Bon Dieu, s.ed., s.l.,
s.d.).
b)
Tentarei
ver quantas referências há a Cristo e cristianismo, Buda e budismo, judeus e judaísmo,
Maomé e islão.
c)
De
seguida tentarei ver quais os conteúdos, o que diz sobre cada um destes temas.
d)
A
comparação entre Freud e Jung pode também permitir alguns resultados.
e)
A
análise das obras de alguns autores cristãos (ou clássicos) como os de Mestre Erckhart
pode dar também alguns indícios.
f)
E,
falando nós de religião, analisarei a sua obra numa perspectiva teológica.
Já
sabemos que nunca há análises completas. Mas sempre é melhor que as haja com
algum cuidado que apressadas.
Redução à CDS
Reduzir
a análise à CDS tem uma razão muito prática. Não é a minha função estudar toda
a obra de Grothendieck. Cabe a outros fazê-lo. Escolhi aquela que será a última
ou das últimas obras de Grothendieck, e que poderá dar algumas luzes sobre o
problema. Tenho de salientar desde já que qualquer análise e citação desta obra
levanta um problema de edição. Não está editada, tem gralhas, e por isso qualquer
análise e citação do texto é em parte a sua edição. Deixo os puristas ficarem chocados
com este trabalho. Saliento que os sublinhados são meus e não do Autor.
Quando
se refere a CDS, todos se esquecem de referir o título completo, que tem a expressão
«Dialogue avec le Bon Dieu”. A expressão é
cristã, melhor, católica, e muito latina. Antes de analisarmos o conteúdo da
obra não podemos excluir que haja intentos irónicos. Mas o tema está evidente.
É um tema religioso. E em conceitos católicos.
Referências a religiões
|
Nº de vezes que aparece |
Percentagens |
Jésus |
235 |
37,01% |
Christ (sem Jésus) |
46 |
7,24% |
Christianisme |
22 |
3,46% |
Chrétien |
169 |
26,61% |
Total Cristianismo |
472 |
74,33% |
Moïse |
0 |
0,00% |
Judaïsme |
0 |
0,00% |
Abraham |
0 |
0,00% |
Juif |
17 |
2,68% |
Juive |
9 |
1,42% |
Hébreu |
0 |
0,00% |
Judaïque |
4 |
0,63% |
Total Judaísmo |
30 |
4,72% |
Bouddha |
95 |
14,96% |
Bouddhisme |
31 |
4,88% |
Bodhisattva |
2 |
0,31% |
Total Budismo |
128 |
20,16% |
Mahomet |
0 |
0,00% |
Islam |
3 |
0,47% |
Islamique |
0 |
0,00% |
Musulman |
2 |
0,31% |
Total islão |
5 |
0,79% |
Total religiões supra |
635 |
100,00% |
Pode-se
dizer que esta escolha de palavras é arbitrária. Que deveria procurar também «samsara»
ou «karma» ou «dharma» que são também conceitos budistas. A problema é que
estes conceitos de origem são hindus. Como distinguir o uso hindu do budista de
forma cursiva? Da mesma maneira teria de procurar «pessoa», «substância» ou
«amor» que são conceitos cristãos e nunca um budista usaria senão para
demonstrar a sua falta de pertinência. Para colocar «bonzo» teria de procurar
também «padre», «bispo». E quando surgisse «monge» ou «mestre» teria de distinguir
o monge cristão do budista e o católico Mestre Erckhart teria de ser distinguido
do mestre «zen». «Christ (sem Jésus)» dá 72-22-4=46. Das
72 vezes em que aparece «Christ», retirei «Jesus le Christ» (2 vezes,) Jésus-Christ
(2 vezes) e as 22 vezes em que aparece «christianisme». Abraham aparece
apenas na «Lettre à Karl
Abraham» na p. N534.
Alguns
resultados são curiosos. Um autor que morre em 2014, com uma França já largamente
islamizada, em que os jornalistas (mesmo que se arroguem outros títulos) referem
a fundamental importância do islão para cultura europeia e francesa, dá uma
importância ao islão que corresponde apenas a menos de 1% da sua atenção. Quem
procura ideias pela sua qualidade e não está fascinado com o poder puro e simples,
afinal não dá importância nenhuma ao islão. Um autor filho de pai judeu, embora
descrente, dá ao judaísmo um papel inferior a 5% da sua atenção. Um homem tão fascinado
pelo budismo, dá afinal um papel 3,7 vezes inferior na sua atenção ao budismo
que o que dá ao cristianismo. Quase três quartos das suas referências são
feitas ao cristianismo.
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