Nazis, arianos e anti-semitas
O lugar comum é o de que
os nazis eram anti-semitas e a ideia de arianismo é tipicamente nazi. Quanto a canalha
se satisfaz com ideias simples é bom sinal, porque seria pouco útil à sua paz deixá-la
na confusão. Como entre nós podemos usar de alguma intimidade, podemos dar-nos
ao luxo de abrir algumas distinções.
A oposição entre arianismo
e semitismo não é nazi. Vem da História e da indo-europeística do século
XIX.
A ideia não é de direita,
mas é partilhada pela direita e pela esquerda. Renan usa-a com naturalidade. E é
prova disso também o actual anti-semitismo de esquerda, sempre com a desculpa
do povo palestiniano e do sofrimento dos árabes (árabes que nunca se interessaram
verdadeiramente pelo destino dos palestinianos na sua maioria).
A ideia não é estranha
aos judeus. Os judeus até aos anos de 1930 usavam esta oposição com naturalidade,
como se vê pela correspondência de Freud.
Os estudos indo-europeus não
são apanágio dos arianos. Um judeu como Benveniste foi um dos seus maiores cultores.
Indo por negação já
começamos a limpar o nosso caminho da sujeira da turba. Podemos entrar então na
ideologia nazi. E também aqui temos de ver negações.
O pensamento nazi não era
em sentido técnico anti-semita. O pensamento nazi não era plenamente favorável
ao arianismo nem aos indo-europeus.
Vejamos a primeira
negação. Os nazis gostavam muito da maioria dos povos semitas ou semitizados:
os árabes.
Como é típico do Maio de
68, herdeiro no nazismo, o nazismo gostava muito de uma religião semita por excelência,
o islão. Nas S.S. não eram admitidos capelães, mas houve duas brigadas S.S. muçulmanas
e nelas eram admitidos capelões islâmicos. O grande Mufti de Jerusalém foi recebido
por Hitler e apoiou o genocídio dos judeus. O mufti de Jerusalém Hadj Amin
al-Husayni em 1941 entrega declaração aos alemães e italianos em que propõe que
estes proclamem que é reconhecido aos árabes tratarem a questão judaica nos
mesmos termos que os nazis e os fascistas. E ministros de Nasser diziam que o
maior político era Hitler ainda nos anos de 1950. O Dr. Noureddine Tarraf
ministro da saúde de Nasser diz : «Hitler é o homem da minha vida».
O nazismo era anti-judeu.
Profundamente anti-judeu. Mas talvez não totalmente anti-judeu. Não apenas houve
judeus nazis como Bronnen (ou Bronner) ou o historiador Karo, como suscitava discussão
se os judeus holandeses de origem portuguesa eram verdadeiros judeus, ou deviam
ser devolvidos a Portugal. Discussão que não foi meramente teórica, porque fez
com que alguns deles sobrevivessem à II Guerra Mundial. O nazismo não era inequivocamente
anti-sefardita. Era inequivocamente anti-askhenazy.
O nazismo não era totalmente
pró-ariano.
A sua relação com o Irão
era equívoca, umas vezes por oposição aos semitas dados como exemplo, outras por
influência das fontes gregas (afinal as mais antigas fontes literárias sobre a Pérsia
antiga são nossas, são gregas) vistos como o inimigo.
Povos misturados
como os gregos, assumidos como mistura de helenos e povos autóctones, ou os romanos,
que se viam a si mesmos como mistura de povos, eram idolatrados por Hitler, que
desprezava as cabanas germânicas em comparação com os belos monumentos romanos.
Puros povos arianos, como
os eslavos, eram considerados raças inferiores. E, quando raças germânicas
puras como aos holandeses e nórdicos não aceitavam a colaboração com o nazismo,
eram vistos como degenerados.
Por isso, recusar o conceito
de ariano porque os nazis gostavam dele é multiplamente tonto: não eram os únicos
a gostar dele, e não gostavam tanto dele quanto se diz. E só porque os nazis gostavam
de respirar não é critério para eu querer deixar de o fazer.
A recusa do conceito de «ariano»
apenas mostra que, ao contrário do que muitos imaginam, a Europa não se universaliza,
apenas se provincializa, como tanto quiseram muitos europeus, e muitos antigos
colonizados. A Pérsia quer-se chamar de Irão, porque se quer a terra dos arianos,
e os hindus com muito orgulho chamam-se de descendentes dos Aryas (esqueço
agora a polémica das discutidas invasões indo-europeias na Índia).
Para além de questões de justiça,
há questões de fecundidade intelectual que me levam a dizer isto. O maior monumento
ao espírito humano nas ciências humanas foi a construção indo-europeística. Foi
esta que permitiu a formação da linguística geral, que por sua vez permitiu a linguística
computacional que os nossos correctores automáticos usam no dia a dia, que ajudou
a arqueologia, a genética das populações humanas, sobretudo uma construção intelectual
de uma grande beleza formal. Algo que raramente se pode afirmar nas ciências humanas.
Que nos queiram provincianos, limitados e sem possibilidade de investigar e
expandir, percebo. Que haja europeus obedientes o bastante para nem pensarem
noutra coisa senão aceitar estes ditames, diz muito sobre o seu servilismo
zangado, mas também sobre a sua pobreza intelectual. Eu, que estou mais próximo
dos nossos primos indianos, não me irei coibir de usar os conceitos certos, proibidos
apenas para quem aprendeu História em séries de televisão.
Alexandre Brandão da Veiga
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