segunda-feira, 5 de agosto de 2019

Agape e Eros em Nygren III








A sua divisão entre duas épocas, a da síntese e a da reforma (p. 219), e a ideia de renovação do «eros» pelo Renascimento e da «agape» pela Reforma (pp. 674, 685), sendo a reforma a dissolução da síntese «eros» «agape» e a purificação do motivo da «agape» (p. 737), mostra o fundo do seu pensamento. O que se esquece é que não há sincretismo na doutrina. As pessoas não deixam de ser cristãs, mesmo sob o ponto de vista doutrinal. O que gera a fusão é uma reverberação permanente de helenismo num corpo que é ele mesmo cristão. Ou melhor, somos todos pagãos cristianizados. Num aspecto tem razão Nygren, ao falar de síntese, quando se refere à fusão com o helenismo. Já não tem razão quando fala de sincretismo. E o conceito de purificação (p. 216) que refere é sumamente perigoso, como todas as purificações. Tende-se a retirar a carne ao conjunto.


Para Nygren os motivos do «eros» e do «agape» são mutuamente excludentes (p. 478). Mostra aqui um dos seus limites. É verdade que o cristianismo não pode viver sem fusão cultural. Não traz consigo uma língua nem uma cultura. É o preço de ser uma religião nua. É igualmente verdade também que não pode viver sem reverberações de uma síntese religiosa, precisamente porque é uma religião incarnada, adere aos homens que vivem concretamente no tempo. Mas a exclusão do «eros» como totalmente estranho ao cristianismo é uma amputação do homem. O «eros» vem de uma consciência universal da insuficiência do homem perante Deus, que o cristianismo não apaga. Não há por isso incompatibilidade entre o «eros» e a «agape» quando devidamente entendidos. O «eros» é o elemento da insuficiência da «agape» humana em relação a Deus. A verdade é que o próprio Nygren tem depois de matizar este juízo (a p. 489), ao reconhecer que o desejo é humano. O cristianismo não vem para anular o homem, mas para o completar. A verdade é que reconhece uma «agape» humana quando lembra que Agostinho preconiza a imitação da humildade de Cristo (p. 480). Imitar Deus é imitar o amor de Deus, a Sua humildade.


Esquece a fórmula paulina que apenas refere de passagem: fé, caridade e esperança (p. 462). É também significativo que reconheça que Lutero nunca usou as expressões «eros» e agape» (p. 707). Significativo que tenha usado o conceito de graça, que é, de origem, jurídico. E o de fé enquanto abertura a Deus (p. 754).


E quando afirma que Lutero purificou o cristianismo esquece-se de que também Platão achava que a função da filosofia é de purificação (p. 586). E se é verdade que em Lutero se insiste que o imperativo da Lei vem substituído pelo indicativo do Evangelho (p. 743), belo pensamento, a verdade é que a tendência para a «nomos» e para o retorno ao Antigo Testamento entre os protestantes veio a mostrar que também o protestantismo padece de reverberações.

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