Agape e Eros em Nygren III
A sua divisão entre duas
épocas, a da síntese e a da reforma (p. 219), e a ideia de renovação do «eros»
pelo Renascimento e da «agape» pela Reforma (pp. 674, 685), sendo a reforma a
dissolução da síntese «eros» «agape» e a purificação do motivo da «agape» (p.
737), mostra o fundo do seu pensamento. O que se esquece é que não há
sincretismo na doutrina. As pessoas não deixam de ser cristãs, mesmo sob o
ponto de vista doutrinal. O que gera a fusão é uma reverberação permanente de
helenismo num corpo que é ele mesmo cristão. Ou melhor, somos todos pagãos
cristianizados. Num aspecto tem razão Nygren, ao falar de síntese, quando se
refere à fusão com o helenismo. Já não tem razão quando fala de sincretismo. E
o conceito de purificação (p. 216) que refere é sumamente perigoso, como todas
as purificações. Tende-se a retirar a carne ao conjunto.
Para Nygren os motivos do
«eros» e do «agape» são mutuamente excludentes (p. 478). Mostra aqui um dos
seus limites. É verdade que o cristianismo não pode viver sem fusão cultural.
Não traz consigo uma língua nem uma cultura. É o preço de ser uma religião nua.
É igualmente verdade também que não pode viver sem reverberações de uma síntese
religiosa, precisamente porque é uma religião incarnada, adere aos homens que
vivem concretamente no tempo. Mas a exclusão do «eros» como totalmente estranho
ao cristianismo é uma amputação do homem. O «eros» vem de uma consciência
universal da insuficiência do homem perante Deus, que o cristianismo não apaga.
Não há por isso incompatibilidade entre o «eros» e a «agape» quando devidamente
entendidos. O «eros» é o elemento da insuficiência da «agape» humana em relação
a Deus. A verdade é que o próprio Nygren tem depois de matizar este juízo (a p.
489), ao reconhecer que o desejo é humano. O cristianismo não vem para anular o
homem, mas para o completar. A verdade é que reconhece uma «agape» humana
quando lembra que Agostinho preconiza a imitação da humildade de Cristo (p.
480). Imitar Deus é imitar o amor de Deus, a Sua humildade.
Esquece a fórmula paulina
que apenas refere de passagem: fé, caridade e esperança (p. 462). É também
significativo que reconheça que Lutero nunca usou as expressões «eros» e agape»
(p. 707). Significativo que tenha usado o conceito de graça, que é, de origem,
jurídico. E o de fé enquanto abertura a Deus (p. 754).
E quando afirma que
Lutero purificou o cristianismo esquece-se de que também Platão achava que a
função da filosofia é de purificação (p. 586). E se é verdade que em Lutero se
insiste que o imperativo da Lei vem substituído pelo indicativo do Evangelho
(p. 743), belo pensamento, a verdade é que a tendência para a «nomos» e para o
retorno ao Antigo Testamento entre os protestantes veio a mostrar que também o
protestantismo padece de reverberações.
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