O que diferencia o cristianismo das outras religiões? VI
Falta
o segundo corolário: apenas o cristianismo permite uma ontologia. Ora vejamos. Um
dos momentos que mais me impressionou na «Metafisica» de Aristóteles, em que
ele se revela na sua personalidade, é algures quando ele dá a entender: o Uno
ou o ser, como lhe queiram chamar. Percebo-lhe a irritação. Uno e ser, que
embrulhada. Onde encontrar o último grau, o último fundamento? Plotino viu
muito bem, melhor que outros: onde está o Uno, o ser apenas pode ser derivado. Parabéns.
Bem visto.
Entra
aqui a cristologia e em geral o dogma da Santíssima Trindade. Em boa verdade, os
vários anti-trinitarismos, sejam pneumatómacos, arianos, eunomianos, modalistas…
enfim, as várias heresias, tinham como base uma coisa: reduzir o ser ao Uno.
Maomé tinha bom senso: Deus não tem associados. Mas o problema fundamental da metafísica,
que Aristóteles bem sabia que era teológico, fica por resolver: se no alto fica
um Uno o ser é mera derivação. Deus uno, só, fica sem ser. Obviamente pode-se imaginar
um ser a este deus sem consistência lógica. Diz-se que é justo, misericordioso,
como quem enche um boneco empalhado só para parecer vivo. Maomé foi aliás
objecto de críticas pelos seus contemporâneos por ter inventado mais um deus,
al-Rahman, o misericordioso. Mas o Uno sem ser é um animal empalhado. Pode-se
encher o uno de seres e seres a gosto, apenas se tenta disfarçar um ídolo.
A
ortodoxia, ao estabelecer a igualdade de três pessoas num só Deus, revela um
Uno, que é ser e é relação. Golpe de mestre, ou para ser franco, bem mais que
isso. É.
Dir-me-á
algum leitor: mas que me interessa a ontologia? Em que a uso? Para que me interessa
o ser? Pergunte-se então esse leitor se é
alguma coisa.
Alexandre
Brandão da Veiga
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