É o cristianismo uma religião como qualquer outra? II
Temos
por isso de pensar o que está por detrás desta necessidade de dizer que o
cristianismo é como todas as outras religiões, e de seguida perceber se é
realmente verdade que o seja.
De
onde vem esta ideia de que o cristianismo é igual às outras religiões?
A
verdade que é a Europa levou cerca de mil anos a cristianizar-se. Entre as
costas europeias do Mediterrâneo e os países bálticos houve mil anos de cristianização
da Europa. Os países bálticos só ficaram completamente cristianizados a partir
do século XIV ou XV. E quanto à cristianização total do resto da Europa basta
ouvir o que ainda no século XVI clérigos reportavam sobre práticas e crenças pagãs
na Europa.
A
verdade é que com as descobertas e a expansão europeia o cristianismo depara-se
com culturas todas elas construídas com base noutras religiões. Que existissem outras
religiões o europeu já sabia. O islão era mais que conhecido como a
anti-Europa, como precisamente a fronteira a partir da qual a Europa deixava de
existir. Mas há dois factores que são predominantes a partir sobretudo do
século XV. Em primeiro lugar, a redescoberta de neopaganismo bizantino de Plethon,
que gera a escola neoplatónica de Florença. De seguida, a descoberta
progressiva das religiões hindus. Não são tanto religiões mais exóticas como as
chinesas, são precisamente dois conjuntos de religiões indo-europeias que fazem
os europeus repensarem o que significa a sua própria religião, a cristã. É
significativo que a grande esperança (desiludida rapidamente) das Luzes se
depositava em Zoroastro, profeta de uma terceira religião indo-europeia.
Não
é tanto o exotismo de novas religiões, mas precisamente a proximidade com a sua
memória histórica mais antiga que faz os europeus repensarem o estatuto do cristianismo.
São religiões que em boa verdade nunca esqueceram, e que sob várias formas,
seja as memórias célticas na estatuária das catedrais, ou na literatura, seja as
memórias germânicas nas línguas, as greco-romanas na mitografia, que os fazem
pensar (ou sentir, mesmo a contragosto) que são de origem indo-europeus.
É
evidente que isto foi agravado pela descoberta de cada vez maior número de religiões
primitivas. Aqui o neopaganismo que estava latente pelo menos desde o século XV
(ou eventualmente antes) desenvolve-se exponencialmente na antropologia imperial
britânica. Não é por acaso que Frazer começa com um mito romano, o de Arícia, e
Hartland com um mito grego, o de Perseu.
Quem
afirma que o cristianismo é igual a todas as outras religiões, apenas uma entre
as mais, integra-se, pois, num duplo movimento: na ideologia de retorno ao arianismo
primitivo e na ideologia imperial britânica.
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