A crise e o símbolo chinês
Entre os gestores, líderes
de opinião e pensadores avulsos da nossa época existe uma teoria que é a de que
o símbolo chinês para a crise representa a fusão das ideias de risco e de oportunidade.
Os sinólogos dizem-me que isso não é assim tão claro. Como não sou sinólogo,
acredito mais nos sinólogos que nos gestores no que respeita à filologia.
A necessidade de ir
buscar à cultura chinesa significado para as palavras que dizemos é tanto mais suspeita
quanto as palavras que dizemos não são de origem chinesa. O paralelo, além de enganador
sob o ponto de vista filológico, peca por nos enganar sobre aquilo que dizemos.
«Crise» vem do corpo hipocrático.
É termo usado na medicina como «momento decisivo». Trata-se de um momento na evolução
de uma doença em que se tem de tomar uma decisão. Mais planamente, é uma decisão.
Sófocles, numa obra perdida, teria precisamente usado o título de «crise», ou seja,
decisão. Tratava-se de um drama satírico, e em que portanto se faria chacota de
alguém.
O mais importante numa crise
não é o facto de haver riscos e oportunidades. Isso ou é trivial – assim é toda
a vida – ou relega para fora de nós a questão. São coisas externas o risco e oportunidade.
A tradição helénica, que nos serviu de muito em tudo, mostra pelo contrário o
que de verdadeiramente importante se passa numa crise: temos de tomar uma decisão.
Ou tomamos a boa, a tempo, ou corremos o risco de perder o doente, ou confiar
na sorte.
Quem vai ao símbolo chinês
para procurar o significado da crise volta no fundo a um pensamento animista. Julga
que o essencial da crise está fora de nós, quando o que deve ser centro da
nossa atenção somos nós mesmos. Que uma cultura como chinesa, que nunca concebeu
a ideia de pessoa humana, pudesse viver bem com tais conceitos, aceitemo-lo
como verdade, ou como mero passeio exótico. Não interessa.
Mas falar de crise significa
antes do mais falar de nós mesmos, de nos responsabilizar. O doente está nas nossas
mãos, somos nós quem tem de o tratar. É um apelo a pessoas. Se isso é bom ou
mau, pouco importa. O mais importante numa crise é quem está perante ela. Para tomar
uma decisão.
Deixemos os gestores gerir,
os líderes de opinião passeá-las pela trela, e os pensadores avulsos serem
levados pela sua natureza extranumerária. No que nos respeita, pensemos em nós
numa crise: o que nos cabe fazer? O resto são exercícios de fonação. E deixemos
aos filólogos de praça emprestada apenas a nossa chacota. Não se trata de risco
e de oportunidade, mas de termos oportunidade para o riso.
Alexandre Brandão da Veiga
1 comentários:
Venho desejar um BOM NATAL A TODOS.
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