O referendo inglês II
Perante esta
possibilidade poderíamos concluir que o cenário oposto seria consolador: a Inglaterra
fica na União Europeia. Será assim? Lamento afirmar que não.
Há três possibilidades: a
Inglaterra obtém excepções substanciais, obtém vantagens meramente formais ou
não obtém vantagens nenhumas com a negociação que pretende fazer com a União Europeia.
Os cenários são diversos mas têm um elemento comum. Seja qual ele for, a Inglaterra
não ficará satisfeita.
Em 1975 já houve um
referendo inglês sobre o mercado comum. Nessa altura até a senhora Thatcher foi
a favor da manutenção da Inglaterra na então CEE. O povo inglês disse sim… e não
ficou mais satisfeito. Por isso, seja em que caso for, caso a Inglaterra se
mantenha, apenas adiamos um problema. Os ingleses ficarão insatisfeitos. Thatcher
votou a favor, Cameron fará o mesmo… e depois mostrará a sua insatisfação, como
a sua predecessora.
A diferença entre as possibilidades
não se centra portanto no facto de os ingleses nada terem do que querem, só
terem migalhas ou terem efectivos ganhos. Na perspectiva da Europa, fazer
concessões será relativamente indiferente quantos aos efeitos e será uma perda
de autoridade. A mudança dos tratados para acomodá-los a um membro já antes
pleno, exigirá os custos normais da modificação de tratados… e para ficarem
piores.
A diferença estará
eventualmente na postura da Inglaterra caso consiga vantagens substantivas. A
que mais se refere neste momento é a da restricção da liberdade de pessoas. Não
deixa de ser curioso que quem defende uma Europa democrática queira restringir
a liberdade das pessoas. Não quer uma Europa mais próxima dos cidadãos, mas
mais longe… para poder dizer que não é democrática. Na política externa haveria
uma mudança evidente. A Inglaterra que em tempos foi paladina da adesão turca voltará
a sê-lo. Durante anos tinha esperança que os turcos fossem para a Alemanha ou
para a Bélgica e por isso era entusiasta. Bastou ver romenos e polacos entrar
em grande número em Inglaterra para esfriar o seu entusiasmo. Estando liberta
da livre circulação. Far-se-á de novo paladina da adesão turca. A Inglaterra
adora os turcos… lá.
Vantagens substantivas
dadas aos ingleses teriam outro efeito pernicioso. Outro país que queira modelar
a Europa à sua imagem deixará de pensar duas vezes antes de o fazer. Mas também
mostraria que há países de segunda e de primeira. A Inglaterra, porque é grande,
poderia ter um regime especial, países pequenos não poderiam negociar. A humilhação
dos pequenos países não seria pequena. Mais uma vez por força do Reino Unido.
Concessões substantivas seriam
uma desautorização do projecto europeu. Vantagens formais seriam uma farsa que
não enganam ninguém. Vantagem nenhuma humilharia os ingleses (embora de seu exclusivo
feito) e reforça a autoridade da União Europeia.
Avento apenas uma
hipótese para reflexão. E se desde logo ficasse claro que não há qualquer renegociação?
Que quem celebrou o contrato, se quer estar que esteja, se quer sair que saia?
Como vimos, a manutenção
da Inglaterra trará sempre insatisfação britânica. Que perde realmente a Europa
caso a Inglaterra saia? Não será de pensar que perdem bem mais os ingleses
saindo que nós perdendo a sua participação?
Lembro de novo, a
hipótese não é agradável, mas a hipótese de ficarem também se anuncia infernal.
Admito. Pode-se dar o caso
de eu ter fundamentos caracteriais para colocar esta hipótese. Parece-me muito malcriado
estar sempre a ameaçar divórcio. A lassitude instala-se no casamento. Se não estás
feliz, por favor sai para que o possas ser. Para onde podes sair? Melhor o saberás.
Se para o meio do Atlântico, se para as Bermudas.
O cenário parece complexo,
mas afinal simplifica-se. O que quer a Inglaterra não é uma excepção num avanço
pretendido, mas pretende um recuo dos dados elementares da União Europeia desde
a sua origem, nomeadamente os da livre circulação de pessoas. Já em tempos no parlamento
inglês se ameaçou que se sairia da Convenção Europeia dos Direitos do Homem
porque o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem estatuiu que os presos tinham direito
de voto nas eleições, ao contrário do que certa legislação britânica impunha.
Aceitar um recuo seria
admitir que países fascistas poderiam fazer parte da União Europeia, porque uns
não queriam a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, ou afinal já não queriam
os princípios democráticos, ou pretendiam recuar nesse sentido. Alguns países
dos Balcãs ou da Europa Central poderiam sentir essa tentação. A Grécia já tem
um partido fascista na coligação governamental e vive-se bem com isso. A
Hungria tenta-se, e vamos deixando tentar-se. Outros acabariam de vez com a
livre circulação de pessoas, outros quereriam fraccionar o «acquis
communautaire». Haveria para todos os gostos.
As excepções até ao
momento, os chamados «opting out», ocorreram sempre em relação a avanços na integração. Admitir renegociações
com a Inglaterra, por mais irrelevantes que fossem os temas renegociados, seria
desautorizar toda a construção europeia.
Mas, e já o vimos, seja
qual for o resultado, a consequência na Inglaterra seria sempre a mesma: caso
ganhe o «sim» a estada na União Europeia, a Inglaterra manifestará a sua insatisfação.
E precisamente da parte dos que votaram «sim» e dos que fizeram propaganda por
ele. Isto simplifica-nos a vida. Se conceder não gera nenhum ganho, há todo o
ganho em nada conceder. Não concedamos nada, pois. Deixemos à Inglaterra a
liberdade das suas decisões, e a liberdade das suas consequências. Quer sair?
Que saia? Digo isto sem acrimónia nenhuma. É de seu direito, é de seu destino.
A sua coerência exonera-nos. Sempre insatisfeita, dá-nos o direito de nos ser
indiferente a sua insatisfação. Ao menos que não estrague o que não fez.
Concluamos: sendo sempre
o resultado o mesmo, ficamos livres de decidir. A sua insatisfação liberta-nos.
Que seja crescida e faça o que quiser. Nós faremos por nossa vez o que queremos.
Que não nos seja concedido, nem pela forma. Que não concedamos, nem pela forma.
Ambos ficaremos assim satisfeitos, finalmente. Porque ambos queremos ser livres
na nossa vontade.
Dando-se o caso, que
fiquemos calados. Que os políticos europeus apenas digam, «que se respeite a
vontade do povo britânico». À volta que se estenda o silêncio. O respeito e a indiferença
podem em alguns casos conjugar-se. Em vez de coro que tenhamos meditação. Da
minha parte falo agora para melhor estar a vontade para me calar depois. Quando
a matilha se puser a ladrar já podermos estar instalados nos nossos cavalos.
Alexandre Brandão da
Veiga
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