O referendo inglês I
Anuncia-se portanto o referendo
inglês. Compreendem-se as necessidades de curto prazo de natureza eleitoral do
governo inglês ao fazer essa promessa – afinal queria ganhar as eleições.
«Paris vale uma missa». Seja. Mas qual vai ser o cenário que se segue?
Dizem boas ou más-línguas
que o senhor primeiro-ministro britânico vai apoiar o «sim» à permanência na União
Europeia, e que em suma apenas faz o referendo para que o povo britânico se
possa pronunciar. Seja, igualmente.
Mas como velho aprendiz
de feiticeiro do nosso Goethe, talvez esteja a mexer em fenómenos que o
ultrapassam. O custo de uma vista curta pode ser um problema longo.
Vejamos então os cenários
possíveis: ou ganha o «não», ou ganha o «sim». Em suma, ou a Inglaterra sai da União
Europeia, ou não sai.
Se a Inglaterra sair, e
então? Não é bom para a União Europeia, é certo. Perde dimensão, fica uma
ferida mais a juntar ao problema grego. Nada na vida é só bom ou só mau. Seria ridículo
dizer que a saída da Inglaterra seria inócua para a União Europeia. Tem tido um
papel muto importante na maior integração europa, nem que seja por contraste.
Os países mais eurocépticos, perante o exagero britânico, tendem a afastar-se
desse rumo e ficam mais eurófilos. Mas a verdade é que a União Europeia não perde
a sua capacidade de expansão. Há ainda países dos Balcãs e eventualmente pode centrar
as relações com a Rússia. A vida coloca problemas, mas dá soluções. E o peso
que tem a Inglaterra na União Europeia não é comparável com o peso que a União Europeia
tem no Reino Unido.
Mas que custo teria o
Reino Unido? Em termos internacionais, a aliança privilegiada com os Estados Unidos
poderia ficar efectivamente incólume (com todos os seus malentendidos e ressentimentos,
é certo), mas um dado duro, frio, objectivo, impor-se-ia: o Reino Unido sozinho
não teria peso bastante para ser parceiro significativo dos Estados Unidos.
Manter-se-ia como aliado, mas a União Europeia em proporção seria um aliado bem
maior, mais estratégico, mais relevante. A vida é dura e cada um tem o tamanho
que pode. As relações com a Europa não terminariam, mas o Reino Unido perderia direito
de voto na regulação europeia e, sendo muito mais pequeno que a Europa,
acabaria por ficar bem mais dependente do que outros decidissem que se
estivesse dentro a União Europeia. Para um país que, não entrando no euro, queria
ter lugar marcado no directório do euro caso entrasse, seria rude golpe.
Lançando-se numa expansão
mais livre na aparência, apenas somaria a uma maior irrelevância do lado esquerdo
a uma maior submissão do lado direito.
Internamente tal saída
não sairia de graça para o Reino Unido. Os escoceses deixaram bem claro que se
querem manter na União Europeia. Tendo a Inglaterra dado o exemplo, um futuro
referendo escocês não seria tão certo a favor a manutenção da União britânica,
desde que a Europa não colocasse entraves à adesão da Escócia, como antes fez.
O País de Gales, mais pobre e mais explorado (não são nunca os mais fracos quem
reclama, já o sabemos), poderia começar a ver-se tentado pela solução escocesa.
E a longo prazo teríamos uma Inglaterra reduzida ao que é: Inglaterra. O que
não é nada mau, mas é pouco no mundo actual.
Mas nas zonas que não fariam
secessão o mal-estar aumentaria. O Norte de Inglaterra, mais pobre, poderia começar
a levantar problemas, e a insatisfação social e as divisões regionais poderiam
acentuar-se.
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