Aprendendo matemática e outras coisas I
Nestes últimos anos várias pessoas têm vindo a dizer que o ensino da matemática é cumulativo e que, caso não tenhamos consciência disso, não perceberemos que estamos a criar uma fraude no ensino. Em segundo lugar, só se pode passar a uma nova fase de aprendizagem após conhecer bem a anterior. O paradoxo é que não posso simultaneamente concordar mais e discordar mais desta ideia.
Não posso senão concordar plenamente porque não há dúvida que o ensino da matemática é cumulativo. A teoria dos conjuntos é vazia caso não se perceba as implicações que tem para a análise, aprender análise sem saber álgebra é impossível, discorrer sobre álgebra abstracta sem perceber as suas implicações na geometria é exercício vão. Não há parte da matemática que não esteja relacionada com outra e um dos mais aspectos mais fascinantes da matemática é exactamente o momento em que duas áreas que cresceram isoladamente se percebe que estão profundamente ligadas. Quando Descartes liga a geometria e a álgebra, ou os números complexos mostram a sua importância para a trigonometria, eis momentos de glória da matemática.
Quanto a isto não tenho dúvida nenhuma. Em que discordo desta ideia afinal? Bem sei que isso pode acontecer por probidade, por espírito de contenção. Os matemáticos falam só de matemática e isso os mostra a sua honestidade intelectual. Mas ao insistirem que o ensino da matemática é cumulativo esquecem dois aspectos essenciais. É que toda a aprendizagem é cumulativa e, em segundo lugar, sem essa natureza cumulativa torna-se impossível interconexão de conhecimentos. Vejamos então estas duas ideias.
O ensino da sintaxe sem conhecimento da morfologia é um dislate. O estudo das gramáticas generativas estruturais ou o que lhe queiram chamar nos níveis elementares e secundários de educação revelou-se um desastre. E porque? Em grande medida por causa, não dos seus defeitos, mas da sua natureza generalizada. Entramos num espaço vaporoso, que tenta resolver problemas que uma criança ou um adolescente nunca pensaram nem podem pensar. Aliás nem os professores em geral em boa verdade. Porque para os perceber na íntegra isso implica conhecer uma enciclopédia de línguas muito vasto, cada uma com a sua estrutura. Os conceitos destas gramáticas tentam resolver problemas que não existem em português, mas em polaco, outras vezes em sânscrito, outras ainda em árabe.
Mas existem sinais bem práticos deste desastre. Atiram-se as crianças para estes tipos de gramáticas, que são defectivas, na substância sobretudo sintaxes sem morfologia própria. E eis que aparece um sintagma preposicional. A criança não deu morfologia, não sabe o que é uma preposição. E decora. Nada mais pode fazer.
Outro exemplo prático nas línguas em geral. Suponhamos que se exige a uma criança que decore certo vocabulário num ano, mas já não seja exigido no ano seguinte. Ou o primeiro era muito especializado e era inútil ensiná-lo, ou estão é essencial e no segundo ano anda a criança coxa na sua expressão. Tente-se aprender as declinações, esquece-las de seguida, e aprender depois os verbos. Não servem de nada. Bem podem reger o ablativo, que ele anda morto coitado.
Na História, para variar o exemplo. A falta de cumulação nota-se mesmo em teses de doutoramento e em investigações. Mesmo trabalhos muito sérios claudicam quando vem a tentação comparatística, e esta é inevitável sob pena de provincianismo. Quando o especialista em História medieval se atira à comparação com a Antiguidade é quase certo aparecer uma síntese apressada. “Na Idade Média, ao contrário da Antiguidade...”. “Surge pela primeira vez nesta época...”. A consequência? A comparação é feita com uma caricatura. O historiador contemporâneo especialista na sua época perde-se em pormenores e não consegue revelar estruturas já antes vistas.
Nas ciências da vida estuda-se o corpo humano num ano mas no ano seguinte ensinam-se patologias. Deixa de ser importante que o aluno saiba distinguir o estômago dos intestinos nesse momento só porque os aprendeu no ano anterior? Na química podemos esquecer a química inorgânica apenas porque vamos aprender a orgânica?
Os exemplos são muitos. São aliás todos. Toda a aprendizagem é cumulativa. Toda a aprendizagem que se queira realmente útil.
Não posso senão concordar plenamente porque não há dúvida que o ensino da matemática é cumulativo. A teoria dos conjuntos é vazia caso não se perceba as implicações que tem para a análise, aprender análise sem saber álgebra é impossível, discorrer sobre álgebra abstracta sem perceber as suas implicações na geometria é exercício vão. Não há parte da matemática que não esteja relacionada com outra e um dos mais aspectos mais fascinantes da matemática é exactamente o momento em que duas áreas que cresceram isoladamente se percebe que estão profundamente ligadas. Quando Descartes liga a geometria e a álgebra, ou os números complexos mostram a sua importância para a trigonometria, eis momentos de glória da matemática.
Quanto a isto não tenho dúvida nenhuma. Em que discordo desta ideia afinal? Bem sei que isso pode acontecer por probidade, por espírito de contenção. Os matemáticos falam só de matemática e isso os mostra a sua honestidade intelectual. Mas ao insistirem que o ensino da matemática é cumulativo esquecem dois aspectos essenciais. É que toda a aprendizagem é cumulativa e, em segundo lugar, sem essa natureza cumulativa torna-se impossível interconexão de conhecimentos. Vejamos então estas duas ideias.
O ensino da sintaxe sem conhecimento da morfologia é um dislate. O estudo das gramáticas generativas estruturais ou o que lhe queiram chamar nos níveis elementares e secundários de educação revelou-se um desastre. E porque? Em grande medida por causa, não dos seus defeitos, mas da sua natureza generalizada. Entramos num espaço vaporoso, que tenta resolver problemas que uma criança ou um adolescente nunca pensaram nem podem pensar. Aliás nem os professores em geral em boa verdade. Porque para os perceber na íntegra isso implica conhecer uma enciclopédia de línguas muito vasto, cada uma com a sua estrutura. Os conceitos destas gramáticas tentam resolver problemas que não existem em português, mas em polaco, outras vezes em sânscrito, outras ainda em árabe.
Mas existem sinais bem práticos deste desastre. Atiram-se as crianças para estes tipos de gramáticas, que são defectivas, na substância sobretudo sintaxes sem morfologia própria. E eis que aparece um sintagma preposicional. A criança não deu morfologia, não sabe o que é uma preposição. E decora. Nada mais pode fazer.
Outro exemplo prático nas línguas em geral. Suponhamos que se exige a uma criança que decore certo vocabulário num ano, mas já não seja exigido no ano seguinte. Ou o primeiro era muito especializado e era inútil ensiná-lo, ou estão é essencial e no segundo ano anda a criança coxa na sua expressão. Tente-se aprender as declinações, esquece-las de seguida, e aprender depois os verbos. Não servem de nada. Bem podem reger o ablativo, que ele anda morto coitado.
Na História, para variar o exemplo. A falta de cumulação nota-se mesmo em teses de doutoramento e em investigações. Mesmo trabalhos muito sérios claudicam quando vem a tentação comparatística, e esta é inevitável sob pena de provincianismo. Quando o especialista em História medieval se atira à comparação com a Antiguidade é quase certo aparecer uma síntese apressada. “Na Idade Média, ao contrário da Antiguidade...”. “Surge pela primeira vez nesta época...”. A consequência? A comparação é feita com uma caricatura. O historiador contemporâneo especialista na sua época perde-se em pormenores e não consegue revelar estruturas já antes vistas.
Nas ciências da vida estuda-se o corpo humano num ano mas no ano seguinte ensinam-se patologias. Deixa de ser importante que o aluno saiba distinguir o estômago dos intestinos nesse momento só porque os aprendeu no ano anterior? Na química podemos esquecer a química inorgânica apenas porque vamos aprender a orgânica?
Os exemplos são muitos. São aliás todos. Toda a aprendizagem é cumulativa. Toda a aprendizagem que se queira realmente útil.
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