Aprendendo matemática e outras coisas II
Qual é o oposto do sistema cumulativo? Um sistema substitutivo, seja assim assumido intencionalmente, seja nos seus efeitos práticos, pela forma como funciona. O problema deste sistema substitutivo é que anuncia pela sua natureza a sua irrelevāncia. Se o aluno pode esquecer sem problemas o que antes aprendeu quer isso dizer que o que aprendeu antes não era assim tão relevante. Qualquer sistema substitutivo é assim forçosamente uma aprendizagem de irrelevâncias. Se é permitido esquecer, se é irrelevante que se esqueça, é porque o esquecido não era essencial em conclusão.
Qual é o segundo vício de um sistema substitutivo de aprendizagem, seja em que área for? E entramos na segunda incompletude dos que afirmam que o ensino da matemática é cumulativo, e apenas ele. É que se as aprendizagens forem cumulativas a probabilidade de relacionamento entre as matérias aumenta exponencialmente.
Imaginemos que em cada matéria aprendida cumulativamente se forma uma coluna. Se essas colunas nos estiverem presentes na mente, as possibilidades de inter-relação entre elas são muito grandes. Mas se a cada momento apenas sei as matérias que estou a aprender nesse momento restam apenas fatias dessas colunas. A probabilidade dessas matérias se entreajudarem fica muitíssimo mais reduzida. Tenho de contar com a sorte de, no mesmo momento, estar a aprender algo que se possa relacionar entre si.
A História das ciências está repleta dessas ligações. Einstein quando começa a estudar a teoria de relatividade generalizada percebe que existem estruturas matemáticas que lhe fazem lembrar algo de que tinha umas luzes, os tensores. Poucas pessoas no mundo estudavam essa matéria e teve de contar com a ajuda de Levi-Cività. Não tivera jamais tido algum contacto com os tensores, a relação nunca se teria feito na sua mente. Toda a linguística assenta em conhecimentos cumulativos. É por haver um conjunto de cavalheiros que sobretudo desde o fim dos século XVIII e ao longo de todo o século XIX tinham aprendido latim, e grego, e alemão, e sânscrito, que começaram a suspeitar que as semelhanças entre as palavras e as estruturas das línguas não poderiam ser fruto do acaso. É a cumulação de uma imensa mole de informação por Cuvier que conseguiu perceber aspectos essenciais da anatomia comparada que hoje em dia tanto excitam os amantes dos filmes sobre a Pré-História.
A segunda parte da tese que corre é a de que só se pode passar para uma nova fase de aprendizagem caso se conheça bem a anterior. Concordo mais uma vez, mas discordo por ser condição necessária mas não suficiente.
É verdade que tenho de compreender bem a fase anterior antes de passar à seguinte. E que isso é verdade para todos as disciplinas e não apenas para a matemática. Mas existe mais uma lacuna nesta ideia. É que se tem de compreender bem a fase anterior – na sua relevância cultural. A minha experiência foi a de ser bom aluno a matemática e tê-la detestado até ao 9º ano, exclusive. Aquilo tinha regras, e bastava uma pessoa cumpri-las para ser fácil fazer. Mas o que sobra disso? Nada. Apenas um exercício. Queriam que eu resolvesse problemas com homotetias, pares ordenados, conjuntos? Seja. Era fácil. Despacha-se e não se pensa mais nisso.
Aqui está a incompletude da tese defendida. É que não basta compreender funcionalmente a anterior fase de aprendizagem. É preciso compreendê-la como cultura. Isto é tanto mais notório na matemática, em que uma cultura plebeia a trata como mera questão técnica. Não basta saber resolver o problema, não basta saber demonstrar o teorema.
Vejamos isto com um exemplo. A demonstração do teorema fundamental da trigonometria. Há várias demonstrações, e algumas muito elementares. Um aluno pode saber demonstrar esse teorema, mas se não perceber porque é fundamental não percebeu nada da sua relevância cultural. É fundamental, não por ser difícil de perceber, ou demonstrar, mas porque no fundo diz que no plano euclidiano toda a trigonometria assenta no teorema de Pitágoras (e no de Tales, se se quiser). A matemática tem aliás bons exercícios nessa matéria porque os matemáticos, seres respeitadores da tradição, são useiros em designar cuidadosamente como fundamentais certos teoremas. Se um aluno conseguir explicar porque razão são fundamentais, já é um bom passo para mostrar que adquiriu cultura matemática.
Qual é o segundo vício de um sistema substitutivo de aprendizagem, seja em que área for? E entramos na segunda incompletude dos que afirmam que o ensino da matemática é cumulativo, e apenas ele. É que se as aprendizagens forem cumulativas a probabilidade de relacionamento entre as matérias aumenta exponencialmente.
Imaginemos que em cada matéria aprendida cumulativamente se forma uma coluna. Se essas colunas nos estiverem presentes na mente, as possibilidades de inter-relação entre elas são muito grandes. Mas se a cada momento apenas sei as matérias que estou a aprender nesse momento restam apenas fatias dessas colunas. A probabilidade dessas matérias se entreajudarem fica muitíssimo mais reduzida. Tenho de contar com a sorte de, no mesmo momento, estar a aprender algo que se possa relacionar entre si.
A História das ciências está repleta dessas ligações. Einstein quando começa a estudar a teoria de relatividade generalizada percebe que existem estruturas matemáticas que lhe fazem lembrar algo de que tinha umas luzes, os tensores. Poucas pessoas no mundo estudavam essa matéria e teve de contar com a ajuda de Levi-Cività. Não tivera jamais tido algum contacto com os tensores, a relação nunca se teria feito na sua mente. Toda a linguística assenta em conhecimentos cumulativos. É por haver um conjunto de cavalheiros que sobretudo desde o fim dos século XVIII e ao longo de todo o século XIX tinham aprendido latim, e grego, e alemão, e sânscrito, que começaram a suspeitar que as semelhanças entre as palavras e as estruturas das línguas não poderiam ser fruto do acaso. É a cumulação de uma imensa mole de informação por Cuvier que conseguiu perceber aspectos essenciais da anatomia comparada que hoje em dia tanto excitam os amantes dos filmes sobre a Pré-História.
A segunda parte da tese que corre é a de que só se pode passar para uma nova fase de aprendizagem caso se conheça bem a anterior. Concordo mais uma vez, mas discordo por ser condição necessária mas não suficiente.
É verdade que tenho de compreender bem a fase anterior antes de passar à seguinte. E que isso é verdade para todos as disciplinas e não apenas para a matemática. Mas existe mais uma lacuna nesta ideia. É que se tem de compreender bem a fase anterior – na sua relevância cultural. A minha experiência foi a de ser bom aluno a matemática e tê-la detestado até ao 9º ano, exclusive. Aquilo tinha regras, e bastava uma pessoa cumpri-las para ser fácil fazer. Mas o que sobra disso? Nada. Apenas um exercício. Queriam que eu resolvesse problemas com homotetias, pares ordenados, conjuntos? Seja. Era fácil. Despacha-se e não se pensa mais nisso.
Aqui está a incompletude da tese defendida. É que não basta compreender funcionalmente a anterior fase de aprendizagem. É preciso compreendê-la como cultura. Isto é tanto mais notório na matemática, em que uma cultura plebeia a trata como mera questão técnica. Não basta saber resolver o problema, não basta saber demonstrar o teorema.
Vejamos isto com um exemplo. A demonstração do teorema fundamental da trigonometria. Há várias demonstrações, e algumas muito elementares. Um aluno pode saber demonstrar esse teorema, mas se não perceber porque é fundamental não percebeu nada da sua relevância cultural. É fundamental, não por ser difícil de perceber, ou demonstrar, mas porque no fundo diz que no plano euclidiano toda a trigonometria assenta no teorema de Pitágoras (e no de Tales, se se quiser). A matemática tem aliás bons exercícios nessa matéria porque os matemáticos, seres respeitadores da tradição, são useiros em designar cuidadosamente como fundamentais certos teoremas. Se um aluno conseguir explicar porque razão são fundamentais, já é um bom passo para mostrar que adquiriu cultura matemática.
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