quarta-feira, 1 de junho de 2011

A grosseria como modo de governo

O primeiro-ministro italiano chama nazi a um deputado alemão. Intervém na televisão pública interrompendo um programa de futebol, invocando a sua qualidade de primeiro-ministro. Diz que o islão é uma cultura inferior e depois diz que a Turquia tem de entrar na União Europeia (vê-se assim o calibre dos defensores desta ideia). Em Portugal um ex-primeiro-ministro insulta deputados lembrando o seu passado criminoso de revolucionários de esquerda e leva uma resposta na mesma medida. Um político da oposição ataca um ministro com artigos que ele escreveu há vinte anos atrás, ao que este responde na mesma moeda. O dito ex-primeiro-ministro e o citado ministro batem as palmas das mãos no parlamento como jogadores de futebol americano. Um presidente de câmara distribui frigoríficos, outro dá pontapés num estádio de futebol, outra foge à justiça. Dois ministros saem de consciência tranquila depois de acusados de uma reles cunha.

Já nem refiro exemplos internacionais, nomeadamente americanos. O espaço público é invadido destes exemplos.

Argumentam-me que estão sujeitos a grande pressão. Do espelho suponho. Porque a verdade é que conheço pessoas sob pressão que são grosseiras e outras que não o são. O que faz a diferença entre elas não é estar ou não sob pressão. É serem ou não... grosseiras. É disso que se trata.

Confesso que ainda seria (a custo) suportável o facto de estarem bem longe de serem belezas clássicas. Menos admissível que sejam destituídos de grande inteligência ou qualquer cultura. Que sejam grosseiros de aspecto é facto que já nos provoca anestesia. Mas que sejam grosseiros de modos, que o atrevimento, a má-criação passem das suas casas, bastamente habituadas ao espectáculo, e nos ofereçam de bandeja aquilo que são, começa a ter significado político.

Os políticos sempre foram acusados de hipocrisia. Agora pelo contrário mostram-se como são. Devemos assim reflectir se queremos sempre a sinceridade no espaço público. Se sob o ponto de vista pessoal o fenómeno é de despudor, sob o ponto de vista político mostra que a ágora se transformou em cozinha. O povo quis que os políticos fossem populares, espontâneos, os meios de comunicação social incensaram esta ideia, e obtivemos a satisfação deste desejo. Se os políticos são grosseiros no espaço público é tão simplesmente porque são grosseiros.

É que há certas coisas que não se justificam nem se desculpam nem sequer a posteriori. Pura e simplesmente não se fazem. Não devem existir. Nada mais.

Que o fossem no espaço privado era fácil de adivinhar. Basta ter olhos de ver, para se perceber que não são grandes aristocratas. Mas coisa bem diferente é terem invadido o espaço público... com o que são.

Tentemos avançar mais um pouco.

É que os políticos não se apresentam apenas na glória da sua grosseria. Apresentam teorias justificativas do seu comportamento. Uns afirmam que os actos foram reflectidos. É grave, na medida em que mesmo com reflexão só chegam a estes resultados. Além de grosseiros, com fracas capacidades de reflexão. Outros que é campanha contra eles. Grave igualmente, dado que estão a afirmar que a grosseria própria se explica pela alheia, o que só pode ser verdade se os alheios forem os pais. Outros afirmam que apenas são espontâneos e não hipócritas, e isso leva-nos de novo a reflectir se queremos que, políticos que são assim, sejam como são no espaço público.

A grosseria passou a estar no espaço público e que em consequência o espaço público passou a ser um campo de grosseria. Vemos agora que a grosseria criou uma teoria política própria. Pobre, mas própria, ou talvez pobre porque própria.

É que há certas coisas que depois de feitas é melhor nem serem referidas. Não se pede desculpa por se ter arrotado. Facto lamentável, é sempre melhor fazer de conta que não existiu. Já que entrou da História, ao menos que seja esquecido.

Demos um terceiro passo.

Confesso não saber como cuspir na rua. Não se trata de um imperativo moral. De algo em que me tenha de conter porque sei ser ordinário. Não me implica esforço. Pura e simplesmente desconheço a técnica. Não vi como se fazia, a não ser ao longe, e por pessoas que se distanciavam do meu mundo pelo simples facto de o fazerem. Os meus pais não me transmitiram essa ciência. Em conclusão: falta-me a técnica.

Mas, mais importante que isso, inexiste no meu mundo. A educação não significa apenas alargar. Significa igualmente afastar do nosso mundo. A fome de crueldade, o desejo de vingança, o desrespeito dos outros, em suma, as várias formas de grosseria, fazem parte do elenco dos instintos naturais dos homens. Não carecem de grande formação para serem exercidas, apenas para o serem com requinte. Uma educação supostamente tem como papel igualmente afastar do mundo pelo menos algumas misérias da alma humana. Quando se diz que alguém é incapaz de inveja a nossa tradição europeia vê isso como um elogio. Algumas incapacidades são méritos. Em grande medida porque é mais fácil ter a capacidade correspondente que dela ser destituído.

O espaço público está repleto portanto de sobredotados... para o lado errado da vida. Pessoas espontâneas, que se apresentam como são, com uma grande cultura técnica, manifestando aspectos da vida não realmente inovadores, mas diversos.

Um espaço público decorado de grosseria, com uma teoria política subjacente e uma sobreabundância de vida. Três elementos já referidos.

É que há certas apetências que é melhor não se ter. Quem as tem, que as ampute, ou ao menos as contenha. Já que estão lá que se faça ao menos conta que não existem.

Falta um quarto passo a dar.

É que a questão não é apenas de bom-tom, de boa sociedade, embora no que me respeita isso já lhe dê importância bastante. É que a própria forma de fazer política, a técnica, o instrumento político se transformou em grosseria. Sem ideias, sem berço, sem projecto, o espaço político transformou-se no espaço da gestão da grosseria. A grosseria não é um seu episódio, mas um seu fundamento, e o seu instrumento privilegiado.

Tenho plena consciência do que digo pode passar por exagerado, mera vontade de caricaturar, pura arbitrariedade. Ou então de que afinal, trata-se “apenas”(!) de uma questão de boas maneiras, sem grande relevância na decisão política. Mas gente com modos grosseiros e aspecto grosseiro tem o teimoso hábito de ter sentimentos grosseiros, desejos grosseiros, aspirações grosseiras, ideias grosseiras. Tudo o que subjaz à decisão política. E se as finalidades da política forem grosseiras os efeitos sê-lo-ão igualmente. A longo prazo são os homens do bem comum que deixam obra feita na História. Os desesperados e os grosseiros (são duas formas de dizer a mesma coisa no espaço público), deixam apenas um rasto. O de Átila, o seu paradigma. Ou o dos bobos da corte, um outro. Antes os reis tinham bobos, hoje são os bobos que esmagam os reis. E as decisões estratégicas a que assistimos, com uma Europa fracturada, subserviente ou timorata mostram o resultado prático dessa grosseria.




Alexandre Brandão da Veiga

1 comentários:

miguel vaz serra...... disse...

Caro amigo
São isso tudo e mais sabe porquê? Porque são humanos.
Quer maior escória que a raça humana? Que mata em nome de Deus, deixa morrer por um poço de Petróleo, vende a família por uma offshore, consegue deitar fora comida sabendo que nesse momento um igual morre sem a ter?!
Só quando os humanos desapareçam do Planeta, este será outra vez positivo!!!