segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

O que fazer com Antígona? IV

“Fui destinada a espalhar o amor e não o ódio”. Cito de cor, e forçosamente de forma atrevida. Como muitas vezes ao longo da História, alguém com as suas forças humanas tacteia e descobre apenas vislumbres, como se esperasse uma revelação. Em muitos outros casos temos prenúncios estranhos e por vezes abusivamente interpretados de uma antecipação cristã. Séneca com o seu exame de consciência. A célebre écloga de Virgílio em que anuncia a criança que mais não é que o “puer aeternus”. O deus desconhecido de Atenas. Ou ainda a crónica de Senanchton que fala de um filho bem-amado de um deus que teria sido crucificado. Temos sempre de ver esses anúncios com luvas de pelica. É solução fácil recusá-los, tanto como aceitá-los sem mais.

Não é fruto de acaso que Antígona seja uma das grandes campeãs da diferenciação sentimental. Não antecede o cristianismo, no sentido em que tenha percebido todas as suas implicações, mas no sentido em que lhe percebeu a necessidade para ser possível uma expansão do ser humano. Os factos de não ser catalogável, nem suscitar essa tentação em grau bastante, de separar o espaço público do privado em nome de deuses inferiores, não políticos, e de ser legitimista estão ligados entre si.

Antígona não é contra a ordem instituída. Quer restabelecê-la na sua plena verdade. Os que vêm levar a lei à sua compleição e não à sua destruição são os verdadeiros revolucionários. São os que encaram de frente a complexidade. Ao contrário dos que querem destruir as leis, todas elas, que são apenas birrentos sem projecto próprio, amuados com o passado só porque existe e os limita, os revolucionários sabem que o passado, por existir, pode ser fonte de força e só prende quando é vivido de forma simplista.




Alexandre Brandão da Veiga

2 comentários:

Táxi Pluvioso disse...

Belo texto.

Deuses, precisam os portugueses como de fado e vinho, que seria de nós sem a missa? bfds

Isso disse...

Isso

e D. João
embuçado num salão.