terça-feira, 25 de maio de 2010

Era assim

O Jardim do Príncipe Real reabriu ao público com 54 árvores abatidas e 380 mil euros gastos em candeeiros, bancos, saibro, tubinhos de rega e plantação de algumas árvores dos viveiros da CML.
A obra teve início em Novembro de 2009 sem o aval obrigatório da Autoridade Florestal Nacional e do IGESPAR. A primeira deve pronunciar-se sempre que algum galho é cortado num raio de 50 metros de uma árvore classificada. É importante que assim seja porque as alterações abruptas da incidência do sol numa árvore de referência podem ditar o anúncio da sua morte. Naquele jardim existem quatro árvores classificadas o que faz o perímetro de todo o espaço verde. Também o IGESPAR não foi ouvido em tempo útil. Só quando já tinham sido abatidas mais de 50 árvores daquele património florestal e a Junta de Freguesia e um grupo de cidadãos se revoltou é que o Vereador Sá Fernandes captou as assinaturas necessárias, entre um Domingo e um Feriado, com o estrago patrimonial já no chão.
A operação fitossanitária era necessária. Mas o que aconteceu foi um realinhamento sumário do coberto florestal, que envolveu o abate de árvores doentes e saudáveis. Um jardim romântico não pede este tipo de ordenamento paisagístico. Pelo contrário. É do seu «acaso» que lhe vem a traça e a beleza. O que lá temos agora é um espaço mais iluminado, e bem, mais arrumado de bancos e circuitos, e bem. Com os inevitáveis tubinhos de rega, como se estivessemos num resort construído no ano passado num destino turístico, Pour épater le bourgeois. E não se diga que a vegetação vai cobrir. Não vai. O sistema contínuo da tubagem é tão moderninho e prático como desventrado e visível. E, certamente, nada tem a ver com o restauro de um jardim romântico num bairro antigo de Lisboa.
José Sá Fernandes, que constituiu o seu ADN político com a bandeira da severidade e da vigilância, o cavaleiro solitário amante desinteressado da Cidade de Lisboa, verdadeiro Torquemada da exigência processual, vai perdendo as suas máscaras. Para não ser fariseu da política, teria de ter tido razão quando acusou outros - coisa que nem os Tribunais têm confirmado; e teria de praticar igual ou maior exigência consigo próprio, uma vez no poder.
Mas pergunta depois de abater; explica depois da revolta; e desenha o restauro do caos saudável a régua e esquadro. Um susto.

18 comentários:

Anónimo disse...

Volto a dizer que anda inspirada. Há anos que não escrevia tanto, a vários níveis.

joão wemans disse...

Tenho passado por lá com alguma regularidade. O que vejo agora agrada-me, à excepção dos tubinhos irritantes, que muitas vezes regam em vésperas de grandes chuvadas. Acredito que a natureza retomará conta do espaço, em torno das grandes àrvores, que permaneceram. Acredito igualmente na validade dos vaticínios feitos a propósito dos desequilíbrios causados pela intervenção voluntariosa, mas, inclino-me mais para o efeito benéfico, a longo prazo, desta obra dispendiosa e dispensável(?).
Um parque urbano é por definição artificial, assim como o é um jardim "romântico", com a pouco natural mistura de espécies e sua disposição artística.
Com o tempo, quem cá estiver daqui a mais uns anos, poderá dizer, afinal, se valeu a pena.
- A jardinagem é como a educação: um risco.

Inez Dentinho disse...

Agradeço os dois comentários.
A educação é um risco. Como a jardinagem. Como acreditar em pessoas que têm comportamentos opostos, antes e depois de estarem no poder. Gosto muitíssimo do jardim do Príncipe Real e desejo que tenha toda a razão. Como se lê, a iluminação, o mobiliário e os circuitos estão muito bem. Enche o olho. O que correu mal foi o verde. Atalhado a direito e sem consultas. Esquece-se que este senhor nos fez gastar mais de 18 milhões no túnel do Marquês por levantar questões processuais indevidas? Deveria usar da mesma exigência consigo próprio.

joão m. m. wemans disse...

É verdade.
Também desejo que o jardim do Príncipe Real saia revigorado e não moribundo, desta aventura.

Anónimo disse...

Um dos jardins mais bonitos de lisboa! Ainda bem que foi remodelado porque é dele que todos os anos parte a Marcha Gay...

joão m. m. wemans disse...

- Não sabia. Se as àrvores secarem nessa ocasião, eu ficava triste, mas não espantado...

Anónimo disse...

O jacarandá vai florir! Só para si,
João...

joão m. m. wemans disse...

Muito obrigado; aprecio o sentido de humor.

P.S.
O Quim Barreiros já se actualizou...

Anónimo disse...

Porquê o Quim Barreiros, João ?
Não acredito que seja a única referência que tem em termos de humor... Poderia ter citado, por exemplo, Gil Vicente. Já que detectou uma dimensão vernacular no meu humor, vernáculo que não enjeito, mas o Quim Barreiros, francamente... A menos que o dito Quim faça parte da "Geração de 60"... É possível. Onde anda uma Isilda Pegado, muito longe não está o Quim Barreiros...

joão m. m. wemans disse...

Achei graça à resposta, simplesmente.
Quanto ao artista citado: vi, por acaso, uma notícia e ouvi a música em anexo; julgo que foi a 1.ª vez que ouvi uma "obra" inteira do personagem.

Anónimo disse...

Ah!... Antes assim. Fico feliz por saber que achou graça ao jacarandá.
Também tenho peónias...

miguel vaz serra....... disse...

Não sei porque mas sinto às vezes uns toques de homofobia nos comentários que fazem aqui. Não a Inez, claro.
Estranho, pois os melhores intelectuais e artistas portugueses eram/são quase todos homossexuais que nos deliciaram durante séculos com poemas, prosa, pintura, arquitectura etc ( Correia, Melo Correia, Carneiro, Boto, Verde, Ary ( que foi expulso do Partido Comunista por sê-lo abertamente… ) Ana Zanatti ( que foi despedida da RDP pelas mesmas razões) a grande Ivone Silva… Estaria aqui a noite toda ) e na política actual nem se fala e votamos todos neles.
Mas é bom ver como pensa ainda a nossa sociedade portuguesa, ou parte dela...principalmente de cara ao público, como geralmente.
Dizem-nos de pequeninos que está errado e nós acreditamos. Está certo…. Depois todos temos imensos amigos assim e não nos incomoda nada.
Parece que fica bem ser homofóbico. A mim parece-me retrógrado e até infantil. Como se nós mesmos não estivéssemos seguros da nossa sexualidade e necessitássemos de estar constantemente a dizer que não o somos. Quem sabe quem é não usa de preconceito. Em nada.
Freud teria certamente algo a dizer sobre isso!
Sá Fernandes é uma pessoa que nem merece mais que estas palavras. O Jardim perdeu 54 árvores velhas e nobres e mais uma vez o que é mal para os outros é válido para “eles”… As leis são ignoradas e depois fica tudo bem…Bem para o lado deles, claro está.
Ainda não fui lá á noite nem de dia. Mas imagino que nada será como dantes.

Anónimo disse...

Caro Miguel Vaz Serra,
Aplaudo as suas nobres palavras, que só pecam por certa ingenuidade... Lanço-lhe um repto : faça um inquérito à Direita a respeito de homofobia... Quantas pessoas, à Direita, terão a coragem de dizer, como o fez hoje alto e bom som nas páginas do "Público" a deputada Assunção Cristas, que são católicas e a favor do casamento gay ? Faça a experiência, Miguel. E depois conte aqui as suas conclusões...

Inez Dentinho disse...

Para mim a questão da homosexualidade não é de esquerda ou de direita. Mas sim uma opção íntima que não me diz respeito. Nunca me deu para ter curiosidade sobre a vida sexual das outras pessoas.
Já a questão do casamento é diferente. Este instituto é anterior ao Estado e merece respeito. Não deve ser confundido, diluído, alargado, adulterado. Outros países do Mundo dito civilizado garantiram oficialmente as uniões entre pessoas do mesmo sexo sem precisarem de afectar o casamento. Estaria mais apta a aceitar a poligamia, tão mais comum e em que a «segunda Família» não tem direitos reconhecidos a não ser para os filhos.

joão m. m. wemans disse...

Bem dito!
Desculpe a mania de apoiar ou discordar a toda a hora; também passo "por aqui" com regularidade.
Aproveito a boleia.
Bem haja!

Inez Dentinho disse...

João, é muito bom ter reacção ao que se escreve, mesmo que crítica. Seja bem-vindo.

miguel vaz serra..... disse...

Ao anónimo: eu agradeço e até entendo o que diz, pois ainda ontem ou anteontem ouvi um de direita dizer que entendia que as pessoas ficassem tristes com cavaco por ter assinado a lei.
( como se tivesse nas mãos dele vetar uma coisa que jamais poderia ser rejeitada )
Mas dou razão á Inez. Não é um problema de esquerda ou direita. Os Nacional-socialistas matavam os homossexuais, os Comunas da URSS mandavam-nos para campos forçados na Sibéria, quando sobreviviam á tortura. Toda a cortina de ferro era homofóbica assim como Franco, Mussolini e Salazar. Creio que mais do que uma opção íntima é uma forma de viver genuinamente a vida como Deus os pôs no Mundo. Não somos todos filhos Dele? Pois então?
Sabe? Desconfio sempre e muito dos homofóbicos. Veja o caso do maior homofóbico Americano de todos os tempos que foi Director do FBI e fez a maior e desenfreada caça ás bruxas( que não dança da Barloff )jamais vista nos USA...Pois é. Ele era amante do seu braço direito. Como aquele Mayor também ele Americano que engatava homens na Internet e foi um dos maiores homofóbicos dentro do partido Republicano...
Ainda hoje, já bem metidos no séc.XXI há quem pense que a homossexualidade é uma doença e que se pode curar!!! Imagine-se.
A vida é muito complicada. O melhor é sermos verdadeiros com as nossas convicções, como vejo que somos aqui.

Anónimo disse...

Caro Miguel Vaz Serra,
Mais uma vez aplaudo as suas palavras, que volto a qualificar de nobres! Oxalá todos os jovens que passam por este blogue pensem como você... Se assim for, no espaço de uma geração há-de desaparecer a homofobia que ainda impera na cabeça de muitos...
Bem haja, Miguel!