sexta-feira, 13 de março de 2009

Labirinto

Labirinto de letras, Ana-Hatherly
Aqui, o Jorge Buescu e o Pedro Norton decidiram fazer derivas shakespeareanas, a propósito deste post sobre a recente revelação de um retrato do autor de “Romeu e Julieta”. Alinho com eles (estar de acordo faz parte da minha condição) e acho que o jogo de ledos enganos já vem de longe.
Shakespeare, pode ser que seja só um "nome emprestado" a uma obra – a hipótese de que as suas inúmeras peças sejam da autoria de um “outro Shakespeare” ou, numa hipótese plural, de “outros Shakespeares”, converte-o, afinal, na sublime personagem de uma inimitável “comédia de enganos”.
Mas há mais. É provável que Homero não tenha existido e que a Ilíada e a Odisseia, obras fundadoras, sejam também obras órfãs.
Sócrates (e falo do grego), mesmo que tenha existido, não escreveu uma linha, o que deixa o célebre “conhece-te a ti mesmo” desesperadamente à procura do “seu” sujeito.
Já sei, já sei – vão também lembrar-me que Jesus Cristo não terá, sequer, existência histórica reconhecida e que Maomé, o áspero e arrebatado profeta, não escreveu, não ditou e não se reconheceria, nem nas 92 suras que dizem ter-lhe sido reveladas em Meca, nem tão pouco nas 22 que os céus só lhe mostraram em Medina.
Não é estranho que tenhamos construído tanta civilização em cima de "figuras ausentes"? Ficção em cima de ficção, fantasmas em cima de fantasmas? Ninguém se atreveria a censurar aos humanos que tenham inventado os esplêndidos deuses. Mas que tenham também inventado os humildes inventores dos deuses, num inverosímil labirinto ficcional, será que nos obriga ao mais feroz cepticismo?

2 comentários:

Anónimo disse...

Manuel: Não vejo onde está a dúvida metafísica. Foram os deuses que inventaram os inventores dos deuses para que estes os pudessem inventar a eles. Cristalino, não é?

Manuel S. Fonseca disse...

Claríssimo Pedro, se não tivessem sido os humaníssimos inventores dos deuses a inventar as potestades para que a seguir os deuses, humildemente, os re-inventassem a eles! E lá me volta a metafísica inquietação...